sexta-feira, 28 de setembro de 2007

EPISÓDIO 13: O “MDC” de Mary Jane


Pilhados com a voz de Maria Joana, Joe e Marcos passaram as duas semanas depois do show praticamente hipnotizados com a lembrança da garota. Na segunda-feira, decidiram chamá-la para ser a vocalista da banda. O grupo podia render se eles ensaiassem direitinho e levassem a sério. Na hora do intervalo, os dois ajoelham na frente da classe da colega.
- Então, Mary... A gente tem uma proposta show pra te fazer... - começa Joe.
- Olha só, seguinte, tu quer fazer parte da nossa banda e cantar com a gente? - propõe Marcos.
- Beleza galera... - responde Maria Joana num bocejo. - E aí, a gente ensaia quando? Onde? - pergunta.
- Pode ser lá na baia, sem problema. Meu pai libera a garagem pra gente. - diz Joe, empolgado.
- Fechou todas então!!! Começamos no sábado, tipo umas três da tarde! - comemora Marcos.
A aula de Física começa e Maria Joana volta a dormir. Com o quadro já cheio de cálculos e fórmulas, a professora chama Camila para resolver um problema. A garota levanta e sente um forte enjôo. “Não vai dar pra segurar. E agora o que eu faço?”, pensa, assustada. Gegé percebe a palidez da namorada e a segura pela mão.
- Tá tudo bem, Cami? - pergunta.
- Tô enjoada, Gegé... Preciso ir ao banheiro. - responde Camila.
Ela tenta caminhar até a professora para pedir licença, mas fica tonta e não consegue segurar a onda. Gegé levanta para tentar ajudar a menina. Camila se abaixa e vomita do lado da classe de Naty.
- Ai, que nojo!!! - grita a patricinha.
- Calma, gente! Vamos voltar aos lugares! - diz a professora. - Ela precisa respirar!
Camila levanta envergonhada e pede licença para ir ao banheiro. Gegé senta-se preocupado porque à tarde terá que sair pra trabalhar e não vai ter ninguém pra cuidar da namorada. A menina lava o rosto e volta para a sala, mas não consegue melhorar. Após a aula, eles decidem que é melhor Camila ficar em casa naquela semana, para se recuperar.

Na sexta-feira, Joe e Marcos chamam Maria Joana num canto para combinar o primeiro ensaio da banda.
- E aí Mary, tudo certo pra amanhã? - pergunta Marcos.
- Sim, sim, três horas, né? - responde a garota.
No sábado, às três e meia, os dois amigos esperam a nova integrante da banda.
- Pô, primeiro dia e a pinta já tá atrasadaça, meu? - explode Joe, indignado.
- Pior véio, mas tu sabe como ela é, deve tá estourando um antes de vir pra cá, vai chegar aí doidona. - ri Marcos.
Nessa hora, eles ouvem uma batida na porta.
- Deve ser ela!!! - falam ao mesmo tempo.
Quando abre a porta, Joe dá de cara com seu pai, Raul, segurando Maria Joana pelo braço e rindo feito louco.
- Aí filhão, essa é a nova integrante da tua banda? Pô, muito massa essa mina. Peguei ela ali atrás do muro, no meio de uma nuvem de fumaça.
- Hahahahahaha! Cara, como tu não me disse que teu pai era tãããããão legal, meu? - pergunta Maria Joana.
- É, acho que esqueci. - responde Joe com a cara fechada.
- Vou subir e dar uma descansada enquanto vocês ensaiam aí. - ri Raul, subindo a escada.
- Pô Raulzito! Fica aí, curte o nosso som! Tu vai gostar, maluco! - pede Maria Joana.
- É justamente porque vocês vão fazer um som que eu vou subir... Já conheço o potencial dos garotos aí. - diz Raul, já no alto da escada.
- Bom, galera, vamos lá... - diz Joe, preparando os instrumentos.
A música começa e Maria Joana não consegue se concentrar no ensaio. Erra as letras, perde o tempo da música... Fica longe, mais precisamente no andar de cima. O pai de Joe havia despertado um interesse especial na menina. “Bem que ele podia descer aí pra dar mais um sorriso daqueles pra mim. Pô, que coroa charmosão”, pensa.
- Bah, Mary, tu tá onde meu? Presta atenção, te liga que hoje tá mal o negócio! - berra Joe.
- Sóóó... foi mal cara! É que tô meio lesada... Posso subir pra pegar uma água? - pergunta já com segundas intenções.
- Beleza, sobe lá enquanto a gente resolve a próxima música aqui.
Maria Joana entra na sala e, ao invés de ir para a cozinha, resolve perder-se pela casa e procurar o pai de Joe. Vê uma porta entreaberta e se aproxima, silenciosa. O rádio está tocando justamente “Tu és o MDC da minha vida”, a música do Raul Seixas que ela mais curte. Ela espia pela fresta e vê aquele homem esparramado na cama, cochilando. Sente uma vontade quase incontrolável de beijar aquela boca que baba no travesseiro, mas resiste à tentação e decide voltar para o ensaio. Agora com o coração aos pulos.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

EPISÓDIO 12: Surge o arco-íris


“O que vou ser quando crescer?”. Essa pergunta sempre atormentou Fábio Dupois, o entendido da galera. Fabinho, como é conhecido, tem 16 anos e foi criado pelas mulheres da família: mãe, tia e avó. Ah, sim, e pela gata persa Gucci – que ele ganhou quando tinha 10 anos.
O pai de Fabinho abandonou sua mãe quando soube da gravidez. Ficou preocupado com a reação dos pais dela, que tinha somente 18 anos quando “aconteceu”. Talvez seja por esse motivo que o menino tenha um pé atrás com a classe masculina e resolveu desenvolver mais seu lado delicado e feminino...
No Liceu, Fabinho é suuuuuper amigo das patricinhas Naty e Paty. No recreio, vivem trocando idéia sobre roupas, sapatos, cabelo, unhas, maquiagem. Falam, também, sobre gatinhos e barangas do colégio.
- Ai, meu bem, olha essa arigó aí. Mesmo que a calça do uniforme não seja nada fashion, dá pra dar umas engembradas... – comenta Naty sobre a guria da outra turma que passa pelo trio.
- Será que ela não tem espelho em casa, não? – desdenha Paty.
- Aiii, por favor, tá pior que a Britney, um projeto frustrado de Madonna. Coraaaaaaagem, ma cherrie! Coragem... – esculacha Fabinho, divertindo as amigas com seu jeito espalhafatoso.
Fabinho é assim. Metido ao extremo (trocadilho... ehehehe). Esculhamba geral com os colegas e não tá nem aí. Vai na pilha das colegas patis, entra na onda da futilidade, mas também tem seu lado cult.
Gosta de freqüentar mostras fotográficas, vernissages, exposições... (“menino super-dotado esse, né?” – trocadilho again!) No sábado tem excursão para a Bienal da América Latina, organizada pelas gurias da companhia onde ele faz aulas de dança.
Fabinho também tem aulas particulares de francês. “Quero aprender esse idioma chiquéééééérrimo para visitar Paris e conhecer as origens da minha família”, sempre pensa.
Aliás, conhecer a França é o seu grande sonho. Fabinho não está muito certo do que vai cursar na faculdade. Está entre moda e relações públicas. Ultimamente, Fabinho tá tirando uma grana como promoter na night. Conheceu muita gente no meio (trocad... ok, ok!), mas não está bem certo se quer isso para o resto da vida. “Tem muita vaidade e muita troca de favores. Sei lá...” A verdade é que ele está em busca do estrelato. Quer ser famoso a todo custo.
Fabinho tem pouco tempo disponível. Todas as manhãs, tem aula no Liceu. Nas segundas e quartas, no vespertino, faz aula de dança; nas terças e quintas, tem francês das 19h às 20h30; e nas sextas-feiras, à noite, trabalha como promotor dos eventos na DiscoClub. Mesmo com essa agenda apertada (ui!), ele sempre dá umas escapadinhas na net pra trovar com a gurizada. Esses dias, descobriu o MSN e o Orkut de um carinha que ele tá afim. “Foi triii difícil, mas eu consegui!!”, gaba-se.
- Lá vem o arco-íris – anuncia Naty a chegada do colega no Liceu.
- Naaaty! Paaaty! – grita Fabinho, lá do portão, acenando para as amigas patis.
- E aí gatão, tudo tri? – perguntam as gurias.
- Très bien, meus amores. (...) Aiiiiiiiii, péra que meu cel tá vibrando.
- Uiiiiiiiii, safadinho! Hahahahaha... Quem é? – pergunta Paty.
- Hum, não sei se devo revelar... – Fabinho faz mistério. – É um torpedinho...
Fabinho pega o celular no bolso e, meio de canto, lê a mensagem: “TÔ ADORANDO TE CONHECER. ENTRA NA NET HJ ÀS 14H Q VOU ESTAR ON. BJOKAS.”
- Hummm, negrinhas, vamos mudar de assunto! – pede ele.
- Não senhoooooor, Fabinho! Ajoelhou, tem que rezar! – respondem as “tipas”, querendo espiar o que diz a mensagem no celular dele.
- Não... é... nada... demais... – responde Fabinho, meio engolindo seco.
- Aaaaah! Fala, fala, FALA! – imploram as patricinhas.
- Tá bom, suas mocréias! Eu conto... – Fabinho respira fundo, e começa: – Conheci um gatinho no messenger. Faz um tempo que já conversamos. Ele é tuuuuuudodebompontocompontobr. – responde, num tom mais afetado. – Atencioso, meigo, tá sempre online e parece ser um partidão!
- Sério?? Aiiiiiiiiiiii Fabinho!! Como tu não falou isso antes pra genteeee? – quer saber Paty.
- Quem é, quem é? – pergunta Naty.
- Putz, meninas... – Fabinho começa a se arrepender de ter começado a contar a história. – Ele é nosso colega.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

EPISÓDIO 11: A melhor amiga da Rê


"Bah, legal a iniciativa dos caras..." Renata curtiu o showzinho dos guris, apesar de ter começado uma droga. "Ainda bem que a Mary Jane foi socorrer eles, hehehe, saiu por cima!", pensa, enquanto sobe as escadas para os dois últimos períodos de aula. Química. "Ótimo, vou poder conversar". Nos últimos dias, vários esquemas andavam rolando e a Renata resolveu trocar uma idéia com o Líder.
- Ô Tatiene, vai lá pra trás, me dá licença que eu tenho que falar com o Líder.
- Ah, não! Eu quero ficar aqui, perto das gurias (Paty e Naty).
- Tatiene, SAI!
- Tá bom, tá bom...
Tatiene sai do seu precioso lugar inconformada e vai sentar lá atrás ao lado do Joe.
- Oi Joe, fui expulsa!
- Relaxa, senta aí, Taty! É massa aqui atrás. Meu, tu tem que parar de ficar pagando pau praquelas pavoas lá da frente. Nada a ver!
- Ai ai, Joe, fala com a minha mão, vai! Tatiene vira a cara com desdém e se concentra na aula.
Lá na frente, Renata puxa papo com o Líder.
- E aí meu, tu já tá sabendo?
- Humm... Provavelmente sim, mas do quê tu fala, especificamente?
- Da Camila, meu!
- Hum, sim!
Os dois olham discretamente para a Camila, sentada ao lado da classe vazia (Gegé e os demais boleiros estava suspensos essa semana, por ter derrubado o Gílldo da escada). Camila está sentada na dela prestando atenção na aula.
- Então... – Líder dá corda para a fofoca. Aliás, Líder sempre dá corda pra todo tipo de conversa. – O que tá rolando é que o Gegé foi procurar emprego essa semana, porque afinal, depois que a Cami se mudou pro quarto dele, a conta da água aumentou né... hehehehehe!
- Brinca não, meu!, censura Rê. – Sério, eles tão enfrentando mó barra. Parece que a mãe da Cami nem fala mais com ela. Básico meu, essas mães são as piores. Quando a gente mais precisa, só sabem pisar em cima.
Renata fala isso mais pela sua própria mãe. O relacionamento entre elas é péssimo. A mãe sempre trabalha e só sabe reclamar. Nunca nada do que a Renata faz está bom. Ela sempre estuda de menos, limpa a casa errado, sai demais, as notas nunca estão boas, os amigos nunca servem e as roupas dela são ridículas. Renata veste preto e jeans. Às vezes, uma blusa branca estampada. As unhas, sempre escuras ou vermelhas. Lápis preto no olho e All Star no pé, e saltinho e jaquetinha jeans pra sair. Tudo em relação a ela, para a mãe, é ruim.
O pai da Rê é um cara legal, mas trabalha muito, sempre, demais... Nunca está em casa, e quando está, é todo da mãe. Renata não pode chegar muito perto ou pedir muita atenção, porque isso significa arranjar encrenca. O irmãozinho da Renata é pequeno ainda. É o xodózinho da mamãe. E Renata gosta dele, gosta mesmo, mas às vezes sente um pouco de inveja da atenção que ele recebe.
Renata muda de assunto:
- Ô Líder, e o que tu acha desse Luis Antônio aí, meu! Êta boyzinhu sem noção, né?
- Siiiiiiiiim... Meu, e aquela pegação com a Paty e a Naty na semana passada??? O que foi aquilo, em pleno recreio?
- Não, não... E se prestam ainda! - Rê olha com desprezo para as patis ao lado.
- Pior é a Tatiene. Não consegue ser mais trouxa, né?
- Sim, com ela eu nem gasto a minha energia falando porque ela tá louca, tá fissurada nas patis e não vai acordar tão cedo.
- Pior! Ô, e tu foi bem no Enem?
- Humm, pra te falar a real, eu não conferi as minhas questões, quando sair o resultado eu vejo.
- Ei, Rê, tu não pode ficar tão alienada assim das coisas, tá parecendo a Michele guria, tu nunca foi assim... Te liga né, não vai vacilar...
Vacilar. Fazia algum tempo já que a Rê tinha começado a vacilar. Começou tomando uns tragos pra relaxar antes de chegar em casa no fim da tarde. Aprendeu a fumar, também acalmava um pouco. Sempre arranjava alguma coisa pra fazer de tarde pra não ficar em casa e sempre terminava no posto, bebendo uma cerveja com uns amigos aí, pra não chegar em casa "de cara" e surtar com os gritos da mãe.
Um dia deu uma banda com a Mary Jane, mas isso no ano passado, e experimentou um baseado. Percebeu que isso seria mais eficaz que os traguinhos diários e tornou-se adepta do breu. Continuava enchendo a cara certo, principalmente quando saía com a Michele. Tinha curtido umas balinhas com ela também. Isso toda a galera sabia. Mas o que ninguém sabia, é que a Rê tinha ido além...
- Sim, sim, não te preocupa Líder, eu tô ligada! Mas viu, e o rebu que deu há uns tempos aí? – Renata muda de assunto... – Essa Xandão se passou, né?
- Sim, coitada, não se controla! Quebrou a cara do Leco e do Cadu!
- Mas também, são uns arigós, né. Ficar xingando a guria, quando todo mundo sabe que ela tem alto trauma!
- É, é, bem feito! Já liguei pra eles e falei que nada a ver isso, mas acho que agora eles tão mais preocupados com a suspensão e com o cancelamento das inscrições do Enem.
- Siiiiiiiiim... Fiquei sabendo que o Geek ratiou nessa e foi pego nos esquemas, né?
- Bah, não sei o que vai dar nessa história, tomara que ele não se complique muito.
- São uns lesados esses boleiros, ô turminha mais vadia, né? Não fazem nada, só ficam jogando bola. Se metem em tudo que é confusão.
- O que eu não sei é como a Lúcia pode estar a fim do Leco.
- Aaaaaaaahhhhhhh tu também percebeu??? Tá na cara, né! Essa história de ficar fazendo trabalho pra ele não cola nem aqui nem na China, né!
- Me poupe!
- Sabe o que eu fiquei sabendo também, Líder? Que a Lúcia pegou a Ana vomitando no banheiro...
- Sim, já sabia também. Tô preocupado com a Ana, ela tá cada vez mais magra.
- Mas ela é outra bitolada, meu. Fica com essas revistas de moda aí o tempo todo, só pode dar nisso.
- É...
"Ainda bem que ninguém nunca me achou no banheiro", pensa Renata. Ela também precisava recorrer ao refúgio preferido de todos os alunos que escondem alguma coisa: o templo sanitário do colégio. Mas Rê não ia ao banheiro pra vomitar, chorar ou ficar com alguém. Bem, na verdade, ela ia ficar com a sua melhor amiga dos últimos tempos...
Pééééééééééééééémmmmmmmm!!! O sinal bate e a manada debanda.
-Tchau Líder, valeu pelo papo aí, tava meio por fora, precisando me inteirar.
- Relaxa Rê, quando precisar... Mas só me faz um favor?
- Ahn?
- TE LIGA, MEU! Tu é muito legal pra vacilar, hein... – Líder lança um olhar cúmplice pra Rê, como quem sabe de alguma coisa que só ela sabe.
- Hum, tá... – Rê se faz de desentendida.
"Do que ele tá falando? Será que ele sabe? Ele sempre sabe de tudo... Mas é impossível o Líder saber... Eu nunca falei pra ninguém." Rê desce as escadas no meio da multidão de adolescentes enlouquecidos (como só eles podem estar na saída da aula de sexta). Michele passa por ela:
-Tem festa hoje, hein Rê, não vai esquecer!
- Podexá, te ligo!
A Michele é uma parceira legal pra sair. Também é viciadinha em balinha, mas o lance dela é mais zueira, mais pra curtir a música, dançar legal. "Eu sou outra história... Putz grilla, como fui me meter nisso?" Rê lembrou da primeira vez que experimentou a cocaína. Foi numa dessas festas que foi com a Michele. Normalmente isso não é o tipo de coisa que tu pode achar numa rave, mas um cara chegou nela e depois de muita trova, acabaram ficando. E ele tinha.
Ela aceitou, experimentou, gostou. Foi mais forte que os tragos, maconha ou balinha. Ela ficou bem fora, bem ligada, parecia até que pensava melhor... Curtiu mesmo. No outro fim de semana, usou de novo. E no outro, e no outro. Agora já fazia seis meses desde a primeira vez e ela estava usando três vezes por semana. Uma coisa pelo menos era boa na sua família: a mesada era grande e dava pra três doses. Mas era isso e mais nada. Então fazia seis meses que ela não comprava mais roupas, que ela não fazia mais nada... Só queria saber das carreiras...
Rê sabe que precisa parar. Precisa, mas não quer. E está com medo de, daqui a pouco, já não conseguir mais. Sai do portão do colégio pra encarar mais um fim de semana e já vai acendendo um cigarro.
E o fim de semana não foi diferente de qualquer outro. A mãe berrando em casa, ela voltando só pra tomar banho e comer alguma coisa. Nesse findi usou mais.
Ganhou do carinha que ainda ficava de vez em quando. Aquele com o qual tinha experimentado a primeira vez. "E foi boooooooooooooooom... Isso que é o pior, isso é melhor que a realidade", pensa, na segunda de manhã no caminho pra escola. A realidade pra qual a Rê já não tem mais vontade de voltar.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

EPISÓDIO 10: Rock’n’roll x Mico show

Durante a semana de suspensão dos garotos, por derrubarem o pobre Gílldo da escada, um acontecimento desviou as atenções e comentários de canto da gurizada. Joe tava decidido a montar sua banda de punk rock. Já tinha trovado o André pra participar e pentelhou tanto o Marcos que o cara acabou aceitando. E uma apresentação estava anunciada para o intervalo da manhã de sexta-feira.
O Marcos toca vários instrumentos e, apesar de curtir um bom e velho rock’n’roll, ele tira uma grana nos findis tocando em bandinhas, dessas de baile no interior da cidade. André toca baixo, mas ainda não sabe quando vai poder ensaiar, porque trabalha de madrugada numa metalúrgica, passa em casa pra tomar café, um banho e vai pra aula. De tarde, ele dormia. Então, os ensaios só podem ser nos findis.
Joe já montou muitas bandas e todas terminaram antes de completar um ano de formação. Já montou umas cinco. A última, por sinal, só teve uma apresentação, no aniversário de um dos integrantes. Esta teria que dar certo de qualquer jeito. O Joe é vidrado em música, adora tirar um som da guitarra vermelha que ele achou quebrada e abandonada numa montoeira de coisa que o vizinho largou quando se mudou. Ele mesmo consertou. Por isso, algumas cordas têm um som meio exclusivo, diferente de qualquer outra guitarra. Mas o que ele gosta mesmo é de escrever as letras das músicas.
E não tinha hora pra criar, quando via, na sala de aula, no banho, num momento de bobeira, tava ele lá anotando versos rápidos, de protesto ou desabafo. Agora vai dar certo, tem tudo pra dar certo. Eles nunca tocaram juntos, mas Joe botou tanta pilha e confiou tanto nos dotes do Marcos, que decidiu desafiarem-se pra uma apresentação no intervalo da aula, no meio de todo mundo, assim, sem ensaio mesmo.
O espetáculo tá marcado e o comentário é geral nos corredores. Tem gente até falando que eles vão tocar na formatura da turma, o que já irritou os boleiros chegados no pagode. No dia esperado, já tem gente sentada de frente pros instrumentos, pra não perder um minuto sequer do rápido intervalo. Outros, já por dentro do que seria o som, ou barulho, deram um jeito de se esquivar onde não desse pra ouvir tanto a zoeira.
- Cara, só vou no banheiro antes, valeu? – avisa André pro Joe.
- Beleza rapá, mas não demora, hein! – recomenda Joe.
Marcos já tá no pátio, dando umas batidas na batera, são cinco músicas só, segundo o Joe, pra deixar o gostinho de quero mais. Além, é claro, que o intervalo só tem 20 minutos.
- Pô, Marcos, o André não vem? – pergunta Joe já irritado.
- Meu, nem vi ele desde que saímos da sala.
- Cara, já se passaram 10 minutos, daqui a pouco não dá mais.
Nisso chega o José no ouvido do Joe e avisa que André não vai aparecer.
- Baaahhh, como assim, meu? Tá tudo marcado aqui! A galera tá esperando a gente começar! – Joe se vira pro Marcos e dispara – Vâmo só nós, meu! Vâmo começá!
- Beleza, tâmo sem baixo. Então, é a bateria e a guitarra. Vâmo arriscar. – comenta Marcos.
A cara de todo mundo no pátio muda de expressão. Uns tapam os ouvidos, outros só falam mais alto pra se entender e muitos olham estáticos pra dupla que mais parece uma guerra pra ver quem faz o barulho mais ensurdecedor. Por alguns instantes, ninguém entende muito bem se aquilo tudo fazia parte do “show”, ou se eles tavam dando a cara a tapa mesmo. Próximo a um canteiro, os pagodeiros já começam a vaiar e, noutro canto, já tem gente tacando lixo na dupla que foi até satirizada de sertaneja, só pra gozar os caras. Joe pára de tocar e se vira pra Marcos:
- Meu, o que tu tá tocando?
- O que tá aqui no papel que tu me deu, oras! – justifica Marcos.
- Cara, a gente não tá tocando a mesma música. – se desespera o roqueiro.
Naquele momento, algo realmente inesperado aconteceu. A criatura mais desligada daquela turma, Maria Joana, comove-se com o mico dos colegas, se aproxima deles e faz o pedido mais comum em qualquer show de banda de garagem: “Toca Raul!”, em referência ao memorável Raul Seixas, ídolo de gerações e ainda presente no gosto de umas galerinhas alternativas.
- Vamos lá, eu canto com vocês! – vibra Maria Joana, que fala baixinho para os dois: vocês sabem tocar “Eu nasci há dez mil anos atrás”?
Na resposta positiva de ambos, Maria Joana começa a cantar a única música que de fato atraiu a atenção do pessoal e no final até arrancou alguns aplausos meio perdidos da galera. Joe, atônito, agradece:
- Janis Joplin voltou pra nos salvar!

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

EPISÓDIO 9: O emprego

Além de tudo o que estava passando, Gegé ainda pega uma suspensão.
- Que droga! Era tudo o que eu tava precisando mesmo. “Mais problemas”, se culpa o garoto. – Mas também, o que tá feito, tá feito.
Já em casa, Gegé reflete:
- Tenho que tirar proveito disso agora. Pensando bem, esta semana vai ser útil.
A realidade agora é outra. Nada de passar a tarde batendo uma bolinha, tocando um pagodinho e passeando com a galera. Por mais assustador que isso pareça, Gegé acorda e encara sua nova realidade. Afinal de contas, não tem outra opção. E tem consciência disso. Sua rotina está prestes a mudar, e ele sabe que isso é necessário para que ele tenha um bom futuro e possa oferecer o melhor para seu filho. Ele pega alguns currículos, coloca-os em uma pastinha e sai em busca de emprego. O seu primeiro.
Mesmo sob um sol de rachar, ele vai de agência em agência, de empresa em empresa, entregando currículos, preenchendo fichas e fazendo entrevistas. Depois de cada visita, ele confere nos classificados do jornal as vagas que lhe interessam, e que já havia definido na manhã daquela segunda-feira. Ao final do dia, contabiliza o saldo de sua empreitada. Mal podia acreditar, mas havia passado em seis lugares diferentes, superando suas expectativas. Conta para seus pais sobre a busca por trabalho mas, sobre a suspensão, acredita não ser o momento ideal. Quer ter uma notícia boa para compensar a ruim.
- E aí, Gegé, como foi? Alguma resposta positiva? - pergunta a mãe, assim que ele entra em casa.
- Olha mãe, nada de definitivo. O mais provável é que me chamem para trabalhar de assistente administrativo em uma metalúrgica, não me disseram qual. Acho que vai rolar – disse o garoto, confiante. - O salário não é o bicho, mas dá uma boa ajudinha. Pior é que ficaram de me ligar só na quinta. Quero ver agüentar a ansiedade.
- Fica calmo, filho, vai dar tudo certo – disse a mãe.
Gegé não tem muita qualificação, mas os cursos de inglês e de computação que nunca levou a sério, agora o estão ajudando. Os dias seguintes são de grande expectativa. Pra não queimar o filme em casa, sai normalmente como se fosse para a aula, mas aproveita para entregar mais currículos. Não pensa em outra coisa. Até os documentos ele já separa, para o caso de se confirmar a vaga na metalúrgica. Numa das manhãs, se encontra com os colegas suspensos com ele. Os guris estão super preocupados com a suspensão, e o papo do Gegé é só sobre as entrevistas, como são os lugares onde foi e tal. Cadu e Leco quase não acreditam na despreocupação do amigo com a suspensão:
- Gegé, por acaso tu já falou em casa sobre a suspensão? Não esquece que teus pais vão ter de ir na escola semana que vem, hein... – dispara Leco.
- Já tá tudo esquematizado. Também por isso que preciso conseguir um emprego, pra eles não ligarem tanto pra suspensão – confessa Gegé.
Na quinta-feira, a notícia tão esperada chega: a metalúrgica o chama para uma entrevista. Ele está selecionado para a vaga. Feliz da vida, o garoto prepara seus documentos e já se apronta para a estréia no mercado de trabalho. Ele não se sente muito preparado, mas está determinado a encarar.
Durante a entrevista, achou o chefe simpático e atencioso, o cara levou ele pra conhecer a empresa, explicou o que Gegé ia fazer, as funções e as responsabilidades que iria assumir dali pra frente e mostrou sua mesa de trabalho.
- Estou com sorte. A empresa é bonita, grande e o pessoal parece ser gente boa. Tomara que eu consiga crescer aqui – pensou.
Envolvido o dia todo com o trabalho que conseguiu, e com o celular desligado por norma da empresa, Gegé ainda não soube de outra fria que seus amigos Leco e Cadu se meteram. Geek, que havia feito a inscrição dos boleiros no Enem, recebeu por e-mail um comunicado afirmando que as inscrições dos dois foram anuladas por uma “falha de sistema”. O medo do hacker, agora, é que o governo descubra que ele invadiu o sistema para efetuar as inscrições.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

EPISÓDIO 8: O desabafo


Aquela semana passou arrastada para Camila. Ela ia para a escola sem muita vontade de estudar, voltava para casa e passava os dias na cama. A cabeça fervilhava com a revolução que tinha tomado conta da sua vida desde o momento em que abriu aquele envelope.
A conversa com os pais de Gegé tinha sido bastante tranqüila. Eles entraram em um acordo, e decidiram contar tudo para a mãe da menina. Dona Sônia, mãe do garoto, respirou fundo e telefonou para Marisa. Após contar tudo, a mãe de Camila quis falar com ela.
Mesmo agora, tendo passado um tempinho, as palavras da mãe ainda feriam a alma de Camila. Os gritos ecoavam em seus ouvidos. “Tá bom aí com a tua família nova? Não precisa mais da tua mãe, né? Os outros sempre foram melhores pra ti... Agora viu o que te aconteceu? Tá aí, grávida, com dezessete anos. Já pensou no que vai ser o teu futuro? Nada... Nada vezes nada! Ao invés de fazer uma faculdade, tu vai limpar fralda!!!”. Camila nem conseguiu responder, sua mãe não lhe deu tempo, disse que não queria mais ver a filha e desligou o telefone.
Na sexta-feira de manhã, Juju, que já havia percebido que Camila andava estranha, chama a amiga em um cantinho da sala e pede:
- Cami, o que que tu tem? Posso te ajudar em alguma coisa?
Camila nem consegue responder e desaba num choro inconsolável abraçada à amiga. As duas se refugiam no banheiro para poder conversar. Juju traz um copo d'água e diz:
- Então, Cami, tá mais calma? Quer conversar? Pode confiar em mim, tu sabe...
- Acontece que eu tô grávida, Juju... - confessa Camila.
- Olha, Cami... Eu imaginei que devia ser sério, mas não pensei que fosse tanto!
- Pois é, Juju... Tô morando lá na casa do Gegé já faz quase um mês. A família dele tem sido bem bacana comigo, e com ele também.
- Bom, pelo menos ele tá firme contigo. Pior se ele fosse um desses babacas que depois que fazem as coisas simplesmente somem, né. E a tua mãe? - quer saber Juju.
- Ai, Juju... - diz Camila. – Minha mãe não quer nem saber de mim. Gritou comigo no telefone, disse que não quer me ver nem pintada de ouro, não sei o que fazer. Isso é o que tá doendo mais nessa história toda.
- Olha, essa primeira reação é normal. Já li isso em algum lugar. Daqui a pouco ela se acalma e vocês vão ficar bem. O importante é tu ficar tranqüila agora. Não passa esse estresse todo pro bebê, mãezinha... - fala Juju, abraçando carinhosamente a amiga.
Camila fica mais calma e as duas resolvem voltar para a sala de aula. Gegé olha para a namorada e percebe que ela está com uma aparência melhor, mais feliz até.
Enquanto isso, no corredor, o guardinha Gílldo troca uma lâmpada. No alto de uma escada, ele tenta apressar o serviço o máximo que pode, porque sabe que logo o sinal vai tocar. “Não vai dar tempo, não vai dar tempo... Rápido, rápido!”, pensa enquanto encaixa a fluorescente no suporte. De repente, acontece o que Gílldo mais temia. “Péééééééééééééééééééééééééééémmmmmmmm!!!”. Ele tenta descer rápido, mas a galera sai das salas como uma manada de búfalos. Uns loucos pelo lanche, e outros porque não agüentam mais a aula mesmo.
A gurizada acha graça no jeitão do guardinha, tentando se equilibrar na escada. Uma turma de meninos o cerca e começa a farra.
- Gílldo! Gílldo! Gílldo! - gritam às gargalhadas, enquanto sacodem a base da escada.
- Parem com isso seu bando de malucos! Vocês vão me derrubar! Eu vou... Aaaaaaaaaaahhhhhhhhhh!!!
Gílldo nem consegue terminar a frase e se esborracha no chão. A galera se assusta e começa a vazar devagarzinho. O guardinha ainda consegue agarrar Cadu, Leco e Gegé, e gritar pelo diretor.
- Mas o que aconteceu aqui, meu Deus do céu? - pergunta Sid, espantado.
- Eles balançaram a escada e eu caí. Acho que quebrei o braço. - responde Gílldo, acusando os meninos.
- Não foi a gente Sid, não foi a gente! A gente só tava passando pro recreio, nem encostamos na escada! - falam os três ao mesmo tempo.
- Bom, vocês três, já pra secretaria... E Gílldo, agüenta aí que eu vou chamar a Sambu!
Os meninos desceram as escadas irados com o guardinha. Sabiam que a punição era certa, apesar de injusta.
- Uma semana de suspensão! - decreta Sid. - E semana que vem apareçam aqui com seus pais.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

EPISÓDIO 7: O riquinho do Liceu

O Liceu de Ensino Médio é um colégio estadual, mas isso não significa que quem estuda lá são somente os baixa-renda. Pelo contrário: é uma escola tão conceituada, que as vagas são disputadíssimas pelas mães dos alunos. Uma exceção é o boyzinho Luis Antônio Junior, o herdeiro da família Lins, dona do império dos transportes da cidade.
Junior é o típico filhinho de papai. Chega no Liceu com motorista particular, sempre engomadinho, exalando perfume por onde passa. Vaidoso, cultiva um topetinho no seu cabelo castanho escuro, faz as unhas de vez em quando e freqüenta academia, onde mantém seu shape sempre sarado. Apesar dessas frescuras todas, Junior é um cara bacana, sossegado. Quando está dibob, curte um surf nos finais de semana nas praias de Santa.
Pretende cursar administração, para cuidar da empresa do pai, um influente empresário da cidade. O garoto não é lá muuuuuito estudioso, mas até que se dá bem nas provas. “É só prestar atenção na aula”, sempre responde a quem se espanta com a sua facilidade em tirar notas boas sem estudar.
Mesmo com um histórico familiar de dar inveja a qualquer mortal, Junior não usa seu status para esnobar ninguém. Ele está sempre entrosado com a galera. Com os boleiros, com os pagodeiros, com as festeiras, com as CDFs, com as patricinhas... Ah, ele adora todas as gurias, que babam e pagam maior pau pra ele. Junior, é, na verdade, um bon vivant. Safadinho, tá pegando a dupla de amigas inseparáveis Paty e Naty – as patricinhas da 304 do Liceu – e não fica nada constrangido por isso.
Terça-feira, ficou com a Paty na hora do recreio. Na quarta, pegou a Naty. As gurias até que não se importam da encrenca em que se meteram. “Ele é o cara”, derretem-se, respondendo a quem ousa questionar o porquê da situação. As gurias até fazem graça com toda essa história. Quinta-feira, logo no primeiro período, Paty e Naty bolam um plano para avacalhar com a colega Tatiene.
Taty, como passou a assinar seu apelido, em uma clara referência às patricinhas, tenta a todo custo imitá-las, mas não leva o menor jeito pra coisa. Tatiene é desengonçada, compra roupas parecidas com as roupas de marca, só que mais baratas, e fica ridícula com as maquiagens que as patis usam. Sabendo de tudo isso, e mais um detalhezinho – Tatiene é suuuuper caída pelo Junior e seu objetivo na vida é ficar com ele – as duas “tipas” esquematizam algo juntamente com o mauricinho para que Taty saia do pé deles.
Na hora do recreio o plano mirabolante já está pronto!
- E aí Taty, vamos almoçar no Shopping Centro hoje?, convida Junior, meio de canto, pertinho do Barzinho do Liceu, para ninguém ver ele pagando o mico de chamar a Tatiene pra sair.
- Humm, é sério que tu quer almoçar comigo?, pergunta a guria, mais parecendo uma manteiga derretida.
- Claro, Taty! Mas vamos só eu e tu.
Péééééééééééééééééééééééémmmmmm! No que soa a campainha para o término da aula, todo mundo desce correndo as escadas. Junior e Tatiene vêm mais atrás, espionados por Paty e Naty, cúmplices do que logo aconteceria.
- Taty, vai indo na frente... Eu preciso deixar umas coisas com o meu motorista que está ali na frente do portão me esperando, aproveito e digo que não vou almoçar em casa e já vou lá te encontrar.
- Ok, vou indo e te espero em frente ao restaurante McComilança.
Tatiene está sentada no lugar combinado. Passa meia hora. Quarenta e cinco minutos. Uma hora. Nada de Junior. “Onde ele se meteu? Será que aconteceu alguma coisa?”. A pobre Tatiene mal sabia que a pose de bom moço do rapaz estava se desfazendo aos poucos.
Junior aproveitou a esquivada que deu em Tatiene pra voltar pra casa com James, o motorista da família Lins. “Ai, que porre seria almoçar olhando para aquela gordinha ridícula, que tem cabelo ‘ruim’ e faz chapinha na franja”, pensou Junior, dando claro sinal de que entende de assuntos relacionados à beleza.
Já são quase duas da tarde e Junior liga para Naty para contar o que aconteceu de manhã.
- Hahahahaha, sério que tu fez isso com aquela poia, Junior?, pergunta a patricinha, rindo da desgraça alheia.
- Pode acreditar, Naty! Eu disse que estava com vocês quando aceitei o plano. Então, fiz o prometido. Deixei a Tatiene esperando lá no Shopping. Aii, que guriazinha mais chata. Por que ela não sai do nosso pé? Grrrrr...
- Pois é, Junior. Mas agora ela deve ter aprendido que não deve se meter com a gente. Hahahahahahahaha, ri Naty, uma risada maléfica. – Tá, tipo assim, agora vou ligar pra Paty pra contar tudo! Um beijo, xuxu!
- Tchau Naty, até amanhã na aula.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

EPISÓDIO 6: A baleia Orca


O início da semana pós-Enem está tranqüilo. A galera até evita falar muito do assunto porque já encheram o saco de falar disso, sem parar, durante o mês anterior. Era professor dando dica de prova o tempo todo, eram os CDFs se escabelando de estudar, agoniando todo mundo... Agora o pessoal deu um tempinho.
Na quarta-feira, porém, ao bater o sinal pra entrada, todos notaram o amontoado de gente na frente do mural. O gabarito da prova!
A primeira a anotar tudinho é Lúcia. Anota e, quieta, vai conferir seus resultados. Ela já sabe que foi mal, muito mal... No dia da prova aconteceu de ela ter um branco como nunca havia tido. Tá, ela ficava nervosa e tudo, mas nunca tinha sido como naquele dia. Também, ultimamente andava com a cabeça não-sabe-onde. Talvez em um dos boleiros da sala. “Tenho que parar com essa bobagem”, pune-se.
- E aí, guria, como foi na prova? pergunta Tatiene, chegando mais perto.
- Não quero falar disso! Responde Lúcia, meio grossa.
- Uia... Tá bom, tá bom! Comeu pasto no café de hoje, foi? Eu, hein...
Paty e Naty entram na sala comentando felizes seus resultados junto com Junior. Pedrão, que afinal tinha conseguido chegar em tempo para prova, conversa, ou tenta conversar com Matthew (o intercambista americano), arranhando um inglês muito do xumbrega. Matthew finge que entende e responde qualquer coisa no seu português pior ainda.
Luana e Andréia também estão trocando idéia sobre os resultados com André e José. Já conversam sobre o Pró-Uni, que provavelmente os quatro tentarão.
Michele, que no dia da prova chegou de virada da festa que tinha marcado com Mary Jane, praticamente zerou a prova. “Ai, ai... Vou ter que sair hoje pra comemorar a minha capacidade de ser a pior da turma, hahah” pensa, e sente uma certa náusea.
- Sssora! Tô indo no banheiro!
Logo quando entra no banheiro feminino, escuta uns gemidos. Parece alguém com dor. “Ihhhh, vou ficar na minha”. Vai até a pia e lava o rosto. Toma um gole d’água e escuta de novo.
- Uhghhh.
“Bah meu, tem alguém vomitando! Será que tá bem?”, pensa Michele, tentando descobrir em qual das cabines a pessoa está. O som fica mais alto e ela pára diante da porta.
Bate. Silêncio.
- Ei, tu tá bem?
- Tôôôôô...
- Pô meu, é tu Ana!
- Sim, sim... Responde Ana, já abrindo a porta do banheiro.
- Tudo tranqüilo, só comi demais hoje, pra variar, e tava meio enjoada.
- Ah sim, sei... Eu também meu, tô tri enjoada, mas é porque dormi duas horas ontem, tô caiiindo de sono... Acho que vou ter que puxar um ronco na sala. Tchau Aninha, té lá em cima. Sobe logo pra tia Zilú não encher teu saco!
- Sim, sim, já tô indo.
Ana fica aliviada de ter se livrado da colega. Pára na frente do espelho e olha para a sua cara gorda. Para aquelas bochechas horrorosas. Sente vontade de chorar. “Ai meu Deus, não posso aparecer com os olhos vermelhos assim”. Abre a torneira e lava o rosto. Ana sente ódio, muito ódio de toda aquela banha. “Sua baleia, sua anta, rinoceronte, cachalote, por que foi comer pão? Por quê????? Jejum! Agora tu vai pagar sua balofa, jejum por dois dias.”
Ana é gorda. Muito gorda. Ana é a menina mais gorda do colégio. Mais gorda que o Pedrão “aquele porcão”. Gorda, tão gorda, que é a menina mais gorda da cidade, se pá, a mais gorda do mundo. Ela tem umas coxas horrorosas, celulite até nos braços e uma pança horrível. Os pneus, então, prefere fingir que nem vê pra não se sentir pior.
Ana faz dieta desde os doze anos. E nunca consegue emagrecer... NUNCA, isso por ser fraca, incompetente e a maior glutona que já conheceu. E ela faz de tudo, coleciona todas as revistas de dieta do mundo. Passa horas na academia, se mede e se pesa todos os dias. Não come praticamente nada.
Mas nunca, nunca consegue emagrecer. “Sua otária. Gorda assim, nunca vai conseguir nada na vida. Ninguém nunca vai gostar de ti”. Carregada pela própria solidão, a menina de 1,67 e 45 Kg sobe as escadas devagar e entra na sala.
Ao abrir a porta, a professora pergunta:
- Ana, tu estás bem? Estás pálida!
- Tô professora, tô sim... Responde Ana enquanto senta no seu canto, com vontade de chorar.
Paty e Naty cochicham:
- Darling, tu já reparou na magreza dessa pessoa?
- Já sweetheart, tá na cara que ela é anoréxica...
- Ai sim, sim! Daqui uns dias vai sumir...
- Que inveja! Ela não tá linda?

terça-feira, 18 de setembro de 2007

EPISÓDIO 5: Estudando ou não...

“Grande coisa essa surpresa. Será que eles precisam de uma premiação para motivá-los a estudar, ou agora que tá na hora do Enem e não dá mais tempo mesmo, para ao menos se dedicar na prova?”, pensa Lúcia.
Lúcia é super CDF. Sua maior pretensão é passar em Medicina e depois, quem sabe, ter um consultório, fazer cirurgias, engessar pernas... Sobre que área seguirá depois que passar no vestiba, não se decidiu ainda, de momento quer passar no curso mais disputado em praticamente todos os vestibulares.
“Bom, seja qual for a tal novidade, acho que eu sou a única que pode se considerar dentro até agora” pensa a garota.
Não que Lúcia fosse achada ou esnobe por ser inteligente, ela era dedicada mesmo. E com certeza seus colegas também apostariam nela se houvesse algum bolão de apostas. Lúcia até gosta de trocar idéia com os colegas, o problema é que às vezes chega a ser chata porque seus assuntos são todos sobre trabalho de aula, a concorrência nos vestibas em todo o país, o alto índice de suicídio no Japão (dos jovens que não passam) e a probabilidade dela passar em cada faculdade.
Os trabalhos em dupla, ou em grupo, meio que dividiam a turma. Uns brigavam pra fazer com a Lúcia pra se sair bem, outros acham ruim estudar com ela porque ela não dava tempo pra respirar. No mesmo dia que recebiam o trabalho já queria combinar coisas, se encontrar na biblioteca ou em casa pra pesquisar e esboçar o trabalho.
Lúcia não faz por mal, age dessa forma porque simplesmente gosta de estudar e, por sinal, se empenha pra ajudar alguns colegas. O Leco com certeza é um bom exemplo.
Leco não é dos mais estudiosos, tanto que quase perdeu a inscrição pro Enem. Mas Lúcia dava preferência pra fazer dupla com ele nos trabalhos. Por que será, hein? Uma leve quedinha não assumida, diga-se de passagem. A CDF até convidou ele pra estudar pro Enem na casa dela, mas aí Leco tinha o futibas num dia, no outro ficou parodiando os pagodes de sucesso com a gurizada e nessa deixou até a inscrição pra última hora. Vai ver foi a surra que levou da Xandão que sacudiu as idéias dele e ajudou a lembrar do prazo.
Aí, meio decepcionada com o desinteresse dele, Lúcia quer mais fazer a prova dela e ver qual é a tal novidade. Nisso, pessoal chegando, esperando, procurando cada um sua sala e tal, vem a Tatiene, meio que desesperada:
- Hi Fabinho, a Paty e a Naty ainda não chegaram?
- Hi quéri! Não sei, na verdade elas se inscreveram, mas não sei delas não.
- Ai, queria sentar num lugar perto delas, já que estamos na mesma sala! – responde super empolgada.
- Pois é, que sorte né, vocês na mesma sala... – Fabinho meio que corta o papo ao ser empurrado pelo Pedrão que passa correndo, super preocupado por não encontrar o nome dele na sala indicada.
- Meu, eu me inscrevi sim. Eu juro, tá aqui meu papel, oh! – mostra Pedrão. E agora meu, só falta eu ter vindo aqui pra nada... – resmungava.
Nisso vem o Líder. Pede pra ver o papel, olha desconfiado e diz:
- Pedrão, tem um problema aqui.
- E o problema, meu amigo é que tu tá na escola errada... Cara, te liga, a tua prova não vai ser aqui!
- Putzzzzzzz grilla... Não creio! Deixa eu ver! - Tá aqui ó: “Local da prova: Escola de Ensino Médio Maria Tereza.” - confere Líder no papel de inscrição.
- Ai, que merda! Devo ter banha no cérebro mesmo!
“Concordo plenamente”, pensa Fabinho.
“Coitado”, se compadece Tatiene...
E o Pedrão, sem mais demoras, corre para tentar chegar ao local da prova, que fica próximo da sua casa.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

EPISÓDIO 4: A decisão


Logo no começo da tarde, Leco está em casa, descansando após o almoço. Seus planos são bater uma bolinha com a gurizada no meio da tarde. Mas os resultados da briga com Xandão já não lhe deixa muito seguro sobre a realização de seus planos iniciais. “Do jeito que estou, se conseguir assistir à partida já será uma grande coisa”, pensa.
O barulho do telefone lhe chama a atenção. É a Xandão, querendo se desculpar pela briga. Mais por descargo de consciência do que por amizade. Afinal, eles não se davam lá muito bem.
- Leco, me desculpa por hoje. Acho que a gente pode se entender e ficar numa boa, o que tu acha? - pergunta a garota.
- Olha, eu acho uma boa idéia. Mas tu vai ter que falar com o Cadu também, pra ver o que ele acha. Agora ele tá trabalhando, mas tenta ligar no celular dele - sugere.
- Como vocês estão? Muito machucados?
- Não, agora já tô melhor. Na hora, pensei que tu ia me matar.
- Ah, cara, não exagera também.
- Mas, podemos ficar de bem. Acho que é o melhor que temos a fazer - propõe Leco.
- Vão fazer o Enem? - pergunta a garota.
- Acho que eu vou fazer. O Cadu tá meio indeciso, mas acho que vai fazer também. Depois vou dar uma ligada para ele, pra conferir.
- Beleza. A gente se encontra lá então. Beijos, Leco.
- Beijos, guria. Te cuida.
A conversa animou o cara. Se o relacionamento entre ele, Cadu e Xandão melhoraria mesmo, só o tempo iria dizer. Mas, ao menos se sentia mais tranqüilo. Não queria manter inimizades na sala de aula, preferia a convivência pacífica com todos. Depois disso, pegou suas coisas do futebol, ligou para alguns amigos para confirmar a partida e saiu. “Depois eu ligo pro Cadu, pra confirmar se vamos fazer a prova”, pensa.
No fim da tarde, está de volta em casa, decidido a fazer a prova do Enem. Ele liga pro Cadu.
- Cara, vamos fazer a prova do Enem? - pergunta Leco.
- Eu nem estudei, mas tô afim de fazer - responde Cadu.
- Eu também quero fazer, mesmo que eu não vá bem. Não custa aproveitar a oportunidade.
- Leco, só tem um problema - alerta Cadu.
- Qual?
- A gente ainda não fez a inscrição.
- É mesmo, cara! E agora? - espanta-se Leco.
- Vamos na casa do Geek. Ele consegue fazer a inscrição pela internet pra gente, o que tu acha?
- Boa idéia. Passa aqui e vâmo lá. - respondeu Leco.
No final da tarde, Cadu passa na casa de Leco e vão no Jonas, chamado por todos de Geek. O apelido surgiu por causa do nickname que ele usa na net. Louco por computadores, passa a tarde inteira conectado à rede, e está ansioso pra prestar vestibular para Ciências da Computação. Nesse final de tarde, Geek é a salvação dos dois colegas.
- Geek! Geek! - gritavam da janela Leco e Cadu. Ao ver os colegas, Geek grita:
- Subam aqui! - indica, lá do segundo andar da casa, onde fica o computador.
- Cara, esquecemos de fazer a inscrição para o Enem. Podemos fazer aqui? Tu pode ajudar? - pergunta Cadu, em tom de preocupação.
- Bah, galera, tâmo lascado. As inscrições acabaram há um mês. Mas nem esquentem. Eu vou entrar no sistema e alterar a programação, aí fica como se as inscrições tivessem sido feitas dentro do prazo. Não tem galho - diz o amigo hacker.
Depois de finalizar as inscrições, eles ligam para os colegas e combinam de se encontrar, às sete horas, todos em frente ao local da prova. O exame não vai ser no Liceu, mas em uma escola pouco distante dali, o que não dificulta o encontro da turma. No horário marcado, estão todos lá. Para a surpresa da galera, o primeiro a chegar foi o Pedrão, que, de tão empolgado, nem deu bola para as piadinhas de algumas colegas. Logo em seguida, chegou Líder, que anunciou aos amigos uma novidade muito legal que, em parceria com a direção da escola, havia preparando para os alunos com as melhores notas do Liceu no Enem.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

EPISÓDIO 3: A Briga


A galera desce numa correria louca para o pátio. A fila do Barzinho do Liceu já estava enorme quando Michele chegou acompanhada das amigas Paty e Naty, as patricinhas mais metidas do colégio. Mais atrás, meio excluída do grupo, veio Tatiene. As quatro esperavam sua vez e já combinavam a festinha de sexta.
- Bah gurias, eu não vou perder a rave dessa sexta por nada... Dane-se o Enem! Vou do jeito que tiver, se pá até de virada! - diz Michele.
- Acho que não vamos sair essa sexta, Michi, vamos te dever essa... Temos que ir bem nessa prova, é importante pro vestibular depois. Acho que tu devia pensar melhor. Uma noite em casa também não vai te matar, honey! - responde Paty, mascando um chiclete freneticamente.
- Deus me livre de agüentar uma noite de sexta em casa, meu!!! Acho que eu corto os pulsos de tédio... Bom, se vocês não vão, eu vou sozinha, não dá nada mesmo... - encerra Michele, decidida.
As meninas terminaram de comer seus lanches e ficaram batendo papo num dos banquinhos do pátio, quando passou Pedrão, correndo, para comprar o terceiro pastel da manhã.
- Credo, tipo assim, como esse gordo come... - ri Naty.
- Pior é o que ele fede, meu, não o que ele come! - completa Michele.
As quatro caem na gargalhada e logo o sinal bate para a volta às salas de aula. A próxima matéria é Química, e elas sobem meio de arrasto, com preguiça. A maioria da gurizada já está na sala quando as meninas chegaram. Teriam só mais dois períodos para revisar toda a matéria para a prova de sábado. E foi puxado... Na saída da aula, uma confusão estava armada do outro lado da rua. Michele fica na ponta dos pés para tentar enxergar. São os boleiros Cadu e Leco, provocando a Xandão, a menina mais briguenta da escola.
- Machona! Machona! - gritam os meninos.
- Como é que é? Vocês vão ver só uma coisa! - responde Xandão irritada, arregaçando as mangas do uniforme.
E começa a briga. Xandão dá conta dos dois, bate tanto que teve até pena depois que viu o estado dos garotos. “Mas eles tiveram o que mereciam”, pensa enquanto marcha, toda durona, para casa. Na sexta-feira, os dois não apareceram na escola.
Michele já está “toda, toda” para a festinha de logo mais. Já que as patricinhas não vão, resolveu convidar Maria Joana, ou Mary Jane, como é chamada pela turma.
- E aí, Mary, tá a fim de uma baladinha essa noite? De repente não seja bem o teu estilo de festa, mas vai tá bombando, guria! - diz Michele, animada.
- Bah, até pode ser... - responde Maria Joana, meio lesada.
- Então te ligo de tarde e a gente se encontra em algum lugar, fechado? - combina Michele.
- Beleza, Michi... - concorda Maria, e logo baixa a cabeça na classe para tirar mais um cochilo.
A aula chega ao fim e toda a turma combina de se encontrar antes da prova do Enem, no dia seguinte. Líder pede para a gurizada cuidar com o horário. “É rigoroso, hein?”, alerta. Todos se despedem e voltam para suas casas. Xandão começa a se preocupar com Cadu e Leco, que não deram notícias.
- Será que eu machuquei os dois de verdade? - pergunta para Juju, sua melhor amiga e protegida.
- Não sei. Não seria melhor tentar ligar para os dois? Afinal, amanhã tem a prova né... É importante, eles não podem perder. - responde Juju, com sua vozinha de criança.
- É, acho que vou ligar então... Até amanhã Ju, passo na tua casa antes de ir pra lá! - despede-se Xandão com um beijinho estalado na bochecha da amiga.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

EPISÓDIO 2: O representante

- Ô gurizada, prestem atenção aqui! Tenho um recado importante.
Frederico, mais conhecido como Líder, é o representante da turma 304 – o terceiro ano mais bagunceiro, de acordo com os professores. Aliás, a 304 não poderia ter um representante tão característico. Líder tem 16 anos, é falante (até demais), tem senso de humor, faz graça, conta piadas e transita entre todas as tribos da escola. Para muitos, até das outras turmas, Líder é “o cara”. Todo mundo o respeita, pois é ele quem compra briga com professores e com a direção da escola, quando a turma precisa de algo. Por exemplo: semana passada, o pessoal organizou um passeio para o Museu de Ciências Naturais da cidade e precisaram da ajuda da escola para pagar o transporte. Foi Líder quem fez essa mão de conversar com o Sid (Sidinelson, conhecido pela galera como Sid, é o diretor do Liceu).
Líder precisa dar um aviso à turma. Aliás, isso é o que ele mais curte fazer, já que foi escolhido como o representante da turma 304 justamente porque é supercomunicativo e responsável. Ele pede licença pra “sora” e interrompe a aula de Matemática, que já estava mesmo no finalzinho:
- Então galera, cês tão ligados que sábado tem Enem, né?
- Enem? Já nesse sábado?!, se espantam, quase juntas, as amigas Luana e Andréia.
- Sim, gurias – responde Líder. Já é sábado, depois de amanhã!
- Hum, pois é – diz Andréia, meio cabisbaixa. Problema é que eu já tinha esquecido. E o pior é que já confirmei para o meu chefe que vou fazer hora-extra na loja. Tô precisando juntar uma grana...
- Ah, Andréia, tenta cancelar, sei lá... Só tem Enem uma vez por ano!, quis ajudar o Líder. – Bom, eu só queria mesmo lembrar vocês o dia da prova. Ah, e sábado vai ter passe-livre nos ônibus para os estudantes. Não tem desculpa pra faltar, hein?
Fernando, lá do fundo, presta atenção no recado do Líder, mas pensa: “Grande porcaria esse Enem... Não vou fazer vestibular, não quero me formar em nada. Essa droga de Exame Nacional é só pra esses tipinhos aí da frente.”
Depois de Líder dar o seu recado, Michele, a festeira oficial da turma, que naquela manhã já chegou meio seqüelada, “e a aula de matemática só piora meu ânimo”, disse:
- Bah, que saco. Eu não sei o que vou fazer na faculdade, mas queria fazer essa provinha aí... O ruim é que na sexta vai ter uma festinha beeem pegada e eu não tô a fim de faltar...
- Ah, Michele, presta atenção. É teu futuro que está em jogo, né?, respondeu Líder numa tentativa de ajudar a colega. – É importante fazer o vestibular e entrar numa faculdade. Pensa bem! Vê se não vacila...
Líder preferiu não continuar com o discurso. Até porque já havia soado o sinal para o recreio.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

EPISÓDIO1: O circo


O colégio Liceu de Ensino Médio é provavelmente o colégio estadual mais popular da cidade. Nele tem galera de todas as classes e tribos. Não é que nem aqueles colégios particulares, em que todo mundo tem grana e fala dos mesmos assuntos, das férias nos Estados Unidos, e do último modelo de mp3, nem daqueles colégios da periferia em que ninguém tem grana e se fissuram em funk e pagodão.
É um colégio muito peculiar, mais parecido com um circo cheio de atrações. Tem os roqueiros e os pagodeiros, algumas patys e as gurias que trabalham, tem CDFs como sempre, nerds também, tem intercambistas, tem os puxa-sacos, os namoradinhos que ficam se agarrando no recreio e que não pensam outra coisa além de “amar um ao outro” (como o Gegé e a Camila).
Mas, no Liceu, tem um cara que não pertence a nenhum grupo. Fernando não é ninguém, não acredita em nada, não gosta de nada, não defende nada, não se estressa, não se irrita, não conversa e não opina. Fernando vegeta.
Hoje, especialmente, ele escolheu passar a manhã olhando pela janela.
“Que merda de dia! Que coisa mais tosca essa professora de matemática... Meu! Parece uma louca escrevendo essas fórmulas aí... Que que eu quero saber disso??? Pra que eu vou usar isso na minha vida?”
Fernando senta sozinho desde a oitava série.
Enquanto todos os alunos sentam em dupla, ele prefere a classe vazia por companhia.
Antes, costumava fazer parte do grupinho dos populares, estava sempre conversando com todos sempre agitando, bagunçando, e era super requisitado entre as gurias. Mas em algum momento começou a pensar no sentido de tudo aquilo e percebeu que era um idiota. Percebeu que tudo o que fazia era idiota. As risadinhas bestas das piadas sem graça - que ele mesmo contava - e a sifazeção constante - que era requisito básico para se dar bem entre amigos e garotas - começou a cansá-lo. Foi ficando mais quieto, mais na dele, tão na dele, que hoje não tem mais saco pra nenhum tipo de papinho dessa galera da turma. “São uns trouxas.”
O que ele acha mais engraçado é a piração da galera com o vestibular no fim do ano. “Não tô nem aí... Nem sei se vou estar vivo amanhã, pra que vou me preocupar com essa merda desse vestibular...?”
Na verdade ele acha muita coisa no colégio engraçada. Acha os boleiros, Cadu, Léco e Géverson as criaturas mais hilárias da face da terra. “Como alguém pode querer ser jogador de futebol? Passar a vida correndo atrás duma bola, não ter nem vergonha de ganhar toda essa grana que esses babacas ganham num país como o nosso?”. Pior é o Géverson, estupidamente chamando de Gegé, que além de boleiro era um babão. Só sabia ficar babando a namoradinha... “écs...”
Outro é o Joe que se acha o último Ramone. “Peloamordedeus, que retardado”. Fernando acha engraçado seus cabelos compridos, os jeans rasgados, os braceletes de couro. “No fundo, é um filhinho de papai”.
E assim Fernando passa as manhãs, rindo-se da estupidez alheia. Senta na sua classe sozinho, e a cada dia escolhe com o que ocupar a mente durantes as cinco tediosas horas em que é obrigado a estar no colégio. Obrigado, obrigado, não é, no fundo está aproveitando aquele tempo para observar as pessoas, para se divertir com a estupidez humana.
Ou então faz como hoje, fixa os olhos azuis pela janela, observa cada detalhe do que vê. A rua de paralelepípedos, os muros pichados na frente do colégio, a parada de ônibus, vazia durante a manhã... Não escuta nada da aula, não se interessa por nada, não tá a fim de nada.
“Ôôôôô galera!”... O grito do Líder “acorda” Fernando.
“Pessoal, se liguem!”, grita Frederico, o representante da turma, mais conhecido como Líder.
“Lá vem o Liderzinho”, pensa Fernando, embora o Líder fosse, da galera, o cara que Fernando menos menospreza. “Esse aí é o menos pior, o menos viajão”. Fernando acha o Líder engraçado também, é claro! Mas respeita o interesse do cara pela galera. Acha massa a forma como ele sempre quebra galhos pra todo mundo, como compra as brigas da turma com a direção do colégio. “É o que menos olha pro umbigo aqui...”
E pensando nisso, resolve dar uma chance... Vira os olhos da janela e olha para o Líder lá na frente, tentando chamar a atenção da turma.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

PRÓLOGO: O susto

POSITIVO. Camila sente o chão sumir debaixo de seus pés. POSITIVO. Os olhares se cruzam apavorados e uma lágrima nervosa escorre do rosto contraído de Camila. Géverson também está atônito, não consegue falar, e mesmo que conseguisse, não encontra palavras neste momento. A única coisa que passa pelas cabeças dos dois é um “e agora?”, sem perspectiva de resposta.
- Cami, calma, nós vamos dar um jeito nisso. - diz Géverson.
- Tu não entende, Gegé? Estou repetindo a história da minha mãe... Grávida aos 17 anos? Ela nunca vai aceitar, nunca vai me perdoar!
Nesse momento, as lágrimas já correm livres pela face de Camila. Géverson tenta consolar a namorada sem sucesso. Também está assustado. Tenta se concentrar e buscar uma saída lógica, que seja suficientemente boa para o casal. Nenhum dos dois chega a cogitar a hipótese de abortar, mas também não sabem como irão se virar a partir deste momento.
Ficam juntos durante toda a tarde, sentados na grama de um parque, em silêncio. Só as mãos de Géverson acariciavam os cabelos de Camila. Os olhares perdem-se em algum ponto inexistente da paisagem. Suspiros e choro abafado, sentido. Foram para suas casas ao anoitecer, mas nenhum dos dois conseguiu dormir. Na manhã seguinte tem aula, prometem buscar uma saída e combinar tudo na hora do recreio.
A aula passa arrastada, não podem conversar sobre esse assunto tão sério perto dos colegas. Aguardam ansiosos o sinal para o recreio. As mãos frias e suadas se apertam forte por baixo das classes. Procuram um canto mais sossegado no pátio para poder conversar.
- E então Gegé? Eu não consegui pensar em nada, estou com muito medo da minha mãe descobrir. Ela já está até desconfiada, já estou atrasada há quase três meses... - diz Camila.
- Olha Cami, não sei o que tu vai achar dessa minha proposta. Mas a única coisa que eu consegui pensar é em tu vir morar comigo. Já namoramos há mais de um ano e eu te amo. Vou arranjar um emprego, podemos batalhar juntos e criar nosso filho. Lá em casa tem lugar para nós três. Vai ser difícil no começo, mas a gente supera. – propõe Géverson, passando a mão na pequena barriga que começa a crescer.
Camila, com os olhos cheios de lágrimas, só consegue pronunciar um emocionado “sim”. Até ouvir aquelas palavras, ela não tinha noção do tamanho do sentimento daquele garoto. Começou a planejar um jeito de sair de casa fugida da mãe, numa hora em que ela não estivesse por perto. Não queria dar explicações, não queria contar aquele segredo, pelo menos não agora. No final da aula, planejaram a fuga. Géverson já tinha avisado a mãe, e passaria na casa da namorada logo após o almoço, para ajudá-la com a mudança.

Uma mochila, uma mala modesta, algumas fotos, livros, cadernos e pequenas coisas que, na maioria das vezes, guardavam grandes lembranças. Como não quer despertar curiosidade na mãe, Camila não pode sair de casa com muitas coisas. Somente o básico, ou algo mais que lhe ajude a suportar este momento difícil. Contar? Ela acha melhor deixar para depois. Para sua sorte, a mãe não está em casa na hora em que Géverson chega, de carona com um amigo. Discretamente, ele a chama.
- Vamos, Cami!
- Preciso de ajuda para levar esta mala maior. Ela é muito pesada. – responde a menina.
Prontamente, Géverson atende o pedido. Apesar da tensão do momento, os dois parecem um pouco mais calmos. Lentamente, a confiança vai tomando conta dos dois. Mesmo que o plano de morar juntos tenha sido elaborado às pressas, tinham certeza de que seria o melhor a fazer no momento. Depois, com calma, planejariam o resto.
Carregam o carro com as coisas de Camila e partem em direção à casa de Géverson. Um quarto, no fundo da casa, espera pelos dois. É um quarto modesto, cheio de CDs, pôsters, camisas de times de futebol, bem ao estilo de Gegé. Camila esteve lá poucas vezes, e se espantou com o local.
- A primeira coisa que temos a fazer é colocar ordem nesse quarto. - disse, em tom de brincadeira.
- Desculpe Cami, prometo que vou deixar mais arrumado. Afinal, agora ele terá que abrigar nós três. - respondeu o futuro pai.
Vindo da sala, um grito surpreende os dois:
- Géverson!!!
Era a mãe do rapaz. Ambos reconheceram a voz na hora. Por um momento, haviam esquecido as dificuldades que teriam pela frente. Ele já contou tudo para a mãe, que agora queria ter uma conversa com os dois. Não só ela sabia, mas também o pai dele, que também pretendia, mais tarde, conversar com o filho e a nora.
- Olha, meu filho, tu e a Camila ainda são muito novos, e sabem que a partir de agora enfrentarão muitas dificuldades. De nada vai adiantar eu reclamar, dar sermão ou coisa parecida. Aconteceu e nós não temos como voltar atrás. A primeira coisa que tu vai ter que fazer, meu filho, é procurar um emprego, o quanto antes.
- Eu sei, mãe. Hoje mesmo vou procurar trabalho. - disse Géverson, cabisbaixo.
- Mais do que isso, tu já deve pensar no vestibular. Hoje em dia, é muito importante cursar uma faculdade para conquistar um bom lugar no mercado de trabalho. - respondeu a mãe, e continuou:
- Camila, o que a sua mãe acha de tudo isso? Tu já contou a ela, não contou?
O mundo parecia estar centrado em Camila naquele momento. Pálida, ela não sabia o que responder. Antes que conseguisse esboçar qualquer palavra, o telefone toca. A mãe de Géverson corre para atender.
- É da escola. - diz, em tom de preocupação.

A escola! Naquela hora passou um flashback na cabeça de Camila. Por enquanto, ninguém da escola sabia, ao menos ela não havia contado para ninguém. Será que alguém percebeu? Será que já dava para perceber? Será que os pais do Gegé foram até a escola tirar alguma satisfação? Os pensamentos rodopiavam feito um tornado, Camila não conseguia raciocinar, eram muitas dúvidas, medos e receios. Como seria daqui pra frente e o que os outros iam pensar ou dizer, começa a preocupá-la.
Camila se recordou de uma manhã em que, num trabalho em grupo com os colegas da escola, acabaram entrando no papo de gravidez. João Guilherme, apelidado por todos de Joe, por conta da sua idolatria pelos Ramones, contou que passou um sufoco com a ex-namorada. Depois que terminaram o namoro de dois meses, ela o procurou porque tava atrasada a bendita menstruação. Como não se cuidavam, usavam camisinha “uma vez ou quase nunca”, os dois ficaram bem apreensivos. Chegaram a comprar um teste de farmácia, que deu negativo, mas só desencanaram quando a menina menstruou na semana seguinte.
“Eles tiveram sorte” – pensa Camila. “E eu, o que vai ser de mim daqui pra frente?” pensa já desesperada. Nesses momentos a cabeça entra em pane, parece que surgem ainda mais paranóias e que “ruim” é pouco, com certeza vai piorar... Camila lembrou de outro papo que ouviu na sala, que na hora não ligou muito, mas que agora talvez fizesse algum sentido. A Luana e a Andréia, que sentam juntas e vivem cochichando baixinho, são meio fede nem cheira, porque afinal trabalham depois da aula e tão loucas pra acabar o ano pra serem efetivadas em turno integral, saíram mais cedo outro dia pra ver uma amiga no hospital. Deixaram escapar que essa amiga descobriu que tava grávida e abortou. Ao lembrar da voz das gurias falando em abortar, que a amiga delas tava mal, Camila tremeu por inteiro. Arrepiou todinha e voltou os pensamentos pro telefone que nem viu Gegé pegar na mão. Ficou perdida na conversa porque ele só respondia, não falava ou explicava algo.
- Sim, tá aqui. - falou Géverson.
- Tá bem, falo pra ela. Peraí, deixa eu pegar uma caneta que vou anotar o telefone.
- O que é? - perguntou Camila pegando na mão de Gegé.
- Pss... - fez Géverson baixinho, fazendo sinal de silêncio com o dedo.
Géverson desliga o telefone e olha pra todos em volta. Como ninguém fala nada, ele diz:
- Seguinte: não sei bem como, mas a Tia Zilú, lá da escola, tá sabendo que tem alguma coisa com a gente. Acho que ela não sabe bem do que se trata, mas desconfia. Disse que ligaram da tua casa, perguntando se tu foi pra aula. Aí ela ficou preocupada que tivesse acontecido algum acidente na rua e ligou aqui em casa pra saber. Ela passou um telefone pra tu ligar e dar notícias.
- E agora, o que eu faço? - choraminga Camila.
Calma. Agora vamos sentar e conversar. - diz a mãe de Gegé.