quarta-feira, 19 de setembro de 2007

EPISÓDIO 6: A baleia Orca


O início da semana pós-Enem está tranqüilo. A galera até evita falar muito do assunto porque já encheram o saco de falar disso, sem parar, durante o mês anterior. Era professor dando dica de prova o tempo todo, eram os CDFs se escabelando de estudar, agoniando todo mundo... Agora o pessoal deu um tempinho.
Na quarta-feira, porém, ao bater o sinal pra entrada, todos notaram o amontoado de gente na frente do mural. O gabarito da prova!
A primeira a anotar tudinho é Lúcia. Anota e, quieta, vai conferir seus resultados. Ela já sabe que foi mal, muito mal... No dia da prova aconteceu de ela ter um branco como nunca havia tido. Tá, ela ficava nervosa e tudo, mas nunca tinha sido como naquele dia. Também, ultimamente andava com a cabeça não-sabe-onde. Talvez em um dos boleiros da sala. “Tenho que parar com essa bobagem”, pune-se.
- E aí, guria, como foi na prova? pergunta Tatiene, chegando mais perto.
- Não quero falar disso! Responde Lúcia, meio grossa.
- Uia... Tá bom, tá bom! Comeu pasto no café de hoje, foi? Eu, hein...
Paty e Naty entram na sala comentando felizes seus resultados junto com Junior. Pedrão, que afinal tinha conseguido chegar em tempo para prova, conversa, ou tenta conversar com Matthew (o intercambista americano), arranhando um inglês muito do xumbrega. Matthew finge que entende e responde qualquer coisa no seu português pior ainda.
Luana e Andréia também estão trocando idéia sobre os resultados com André e José. Já conversam sobre o Pró-Uni, que provavelmente os quatro tentarão.
Michele, que no dia da prova chegou de virada da festa que tinha marcado com Mary Jane, praticamente zerou a prova. “Ai, ai... Vou ter que sair hoje pra comemorar a minha capacidade de ser a pior da turma, hahah” pensa, e sente uma certa náusea.
- Sssora! Tô indo no banheiro!
Logo quando entra no banheiro feminino, escuta uns gemidos. Parece alguém com dor. “Ihhhh, vou ficar na minha”. Vai até a pia e lava o rosto. Toma um gole d’água e escuta de novo.
- Uhghhh.
“Bah meu, tem alguém vomitando! Será que tá bem?”, pensa Michele, tentando descobrir em qual das cabines a pessoa está. O som fica mais alto e ela pára diante da porta.
Bate. Silêncio.
- Ei, tu tá bem?
- Tôôôôô...
- Pô meu, é tu Ana!
- Sim, sim... Responde Ana, já abrindo a porta do banheiro.
- Tudo tranqüilo, só comi demais hoje, pra variar, e tava meio enjoada.
- Ah sim, sei... Eu também meu, tô tri enjoada, mas é porque dormi duas horas ontem, tô caiiindo de sono... Acho que vou ter que puxar um ronco na sala. Tchau Aninha, té lá em cima. Sobe logo pra tia Zilú não encher teu saco!
- Sim, sim, já tô indo.
Ana fica aliviada de ter se livrado da colega. Pára na frente do espelho e olha para a sua cara gorda. Para aquelas bochechas horrorosas. Sente vontade de chorar. “Ai meu Deus, não posso aparecer com os olhos vermelhos assim”. Abre a torneira e lava o rosto. Ana sente ódio, muito ódio de toda aquela banha. “Sua baleia, sua anta, rinoceronte, cachalote, por que foi comer pão? Por quê????? Jejum! Agora tu vai pagar sua balofa, jejum por dois dias.”
Ana é gorda. Muito gorda. Ana é a menina mais gorda do colégio. Mais gorda que o Pedrão “aquele porcão”. Gorda, tão gorda, que é a menina mais gorda da cidade, se pá, a mais gorda do mundo. Ela tem umas coxas horrorosas, celulite até nos braços e uma pança horrível. Os pneus, então, prefere fingir que nem vê pra não se sentir pior.
Ana faz dieta desde os doze anos. E nunca consegue emagrecer... NUNCA, isso por ser fraca, incompetente e a maior glutona que já conheceu. E ela faz de tudo, coleciona todas as revistas de dieta do mundo. Passa horas na academia, se mede e se pesa todos os dias. Não come praticamente nada.
Mas nunca, nunca consegue emagrecer. “Sua otária. Gorda assim, nunca vai conseguir nada na vida. Ninguém nunca vai gostar de ti”. Carregada pela própria solidão, a menina de 1,67 e 45 Kg sobe as escadas devagar e entra na sala.
Ao abrir a porta, a professora pergunta:
- Ana, tu estás bem? Estás pálida!
- Tô professora, tô sim... Responde Ana enquanto senta no seu canto, com vontade de chorar.
Paty e Naty cochicham:
- Darling, tu já reparou na magreza dessa pessoa?
- Já sweetheart, tá na cara que ela é anoréxica...
- Ai sim, sim! Daqui uns dias vai sumir...
- Que inveja! Ela não tá linda?

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