terça-feira, 25 de setembro de 2007

EPISÓDIO 10: Rock’n’roll x Mico show

Durante a semana de suspensão dos garotos, por derrubarem o pobre Gílldo da escada, um acontecimento desviou as atenções e comentários de canto da gurizada. Joe tava decidido a montar sua banda de punk rock. Já tinha trovado o André pra participar e pentelhou tanto o Marcos que o cara acabou aceitando. E uma apresentação estava anunciada para o intervalo da manhã de sexta-feira.
O Marcos toca vários instrumentos e, apesar de curtir um bom e velho rock’n’roll, ele tira uma grana nos findis tocando em bandinhas, dessas de baile no interior da cidade. André toca baixo, mas ainda não sabe quando vai poder ensaiar, porque trabalha de madrugada numa metalúrgica, passa em casa pra tomar café, um banho e vai pra aula. De tarde, ele dormia. Então, os ensaios só podem ser nos findis.
Joe já montou muitas bandas e todas terminaram antes de completar um ano de formação. Já montou umas cinco. A última, por sinal, só teve uma apresentação, no aniversário de um dos integrantes. Esta teria que dar certo de qualquer jeito. O Joe é vidrado em música, adora tirar um som da guitarra vermelha que ele achou quebrada e abandonada numa montoeira de coisa que o vizinho largou quando se mudou. Ele mesmo consertou. Por isso, algumas cordas têm um som meio exclusivo, diferente de qualquer outra guitarra. Mas o que ele gosta mesmo é de escrever as letras das músicas.
E não tinha hora pra criar, quando via, na sala de aula, no banho, num momento de bobeira, tava ele lá anotando versos rápidos, de protesto ou desabafo. Agora vai dar certo, tem tudo pra dar certo. Eles nunca tocaram juntos, mas Joe botou tanta pilha e confiou tanto nos dotes do Marcos, que decidiu desafiarem-se pra uma apresentação no intervalo da aula, no meio de todo mundo, assim, sem ensaio mesmo.
O espetáculo tá marcado e o comentário é geral nos corredores. Tem gente até falando que eles vão tocar na formatura da turma, o que já irritou os boleiros chegados no pagode. No dia esperado, já tem gente sentada de frente pros instrumentos, pra não perder um minuto sequer do rápido intervalo. Outros, já por dentro do que seria o som, ou barulho, deram um jeito de se esquivar onde não desse pra ouvir tanto a zoeira.
- Cara, só vou no banheiro antes, valeu? – avisa André pro Joe.
- Beleza rapá, mas não demora, hein! – recomenda Joe.
Marcos já tá no pátio, dando umas batidas na batera, são cinco músicas só, segundo o Joe, pra deixar o gostinho de quero mais. Além, é claro, que o intervalo só tem 20 minutos.
- Pô, Marcos, o André não vem? – pergunta Joe já irritado.
- Meu, nem vi ele desde que saímos da sala.
- Cara, já se passaram 10 minutos, daqui a pouco não dá mais.
Nisso chega o José no ouvido do Joe e avisa que André não vai aparecer.
- Baaahhh, como assim, meu? Tá tudo marcado aqui! A galera tá esperando a gente começar! – Joe se vira pro Marcos e dispara – Vâmo só nós, meu! Vâmo começá!
- Beleza, tâmo sem baixo. Então, é a bateria e a guitarra. Vâmo arriscar. – comenta Marcos.
A cara de todo mundo no pátio muda de expressão. Uns tapam os ouvidos, outros só falam mais alto pra se entender e muitos olham estáticos pra dupla que mais parece uma guerra pra ver quem faz o barulho mais ensurdecedor. Por alguns instantes, ninguém entende muito bem se aquilo tudo fazia parte do “show”, ou se eles tavam dando a cara a tapa mesmo. Próximo a um canteiro, os pagodeiros já começam a vaiar e, noutro canto, já tem gente tacando lixo na dupla que foi até satirizada de sertaneja, só pra gozar os caras. Joe pára de tocar e se vira pra Marcos:
- Meu, o que tu tá tocando?
- O que tá aqui no papel que tu me deu, oras! – justifica Marcos.
- Cara, a gente não tá tocando a mesma música. – se desespera o roqueiro.
Naquele momento, algo realmente inesperado aconteceu. A criatura mais desligada daquela turma, Maria Joana, comove-se com o mico dos colegas, se aproxima deles e faz o pedido mais comum em qualquer show de banda de garagem: “Toca Raul!”, em referência ao memorável Raul Seixas, ídolo de gerações e ainda presente no gosto de umas galerinhas alternativas.
- Vamos lá, eu canto com vocês! – vibra Maria Joana, que fala baixinho para os dois: vocês sabem tocar “Eu nasci há dez mil anos atrás”?
Na resposta positiva de ambos, Maria Joana começa a cantar a única música que de fato atraiu a atenção do pessoal e no final até arrancou alguns aplausos meio perdidos da galera. Joe, atônito, agradece:
- Janis Joplin voltou pra nos salvar!

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