quarta-feira, 26 de setembro de 2007

EPISÓDIO 11: A melhor amiga da Rê


"Bah, legal a iniciativa dos caras..." Renata curtiu o showzinho dos guris, apesar de ter começado uma droga. "Ainda bem que a Mary Jane foi socorrer eles, hehehe, saiu por cima!", pensa, enquanto sobe as escadas para os dois últimos períodos de aula. Química. "Ótimo, vou poder conversar". Nos últimos dias, vários esquemas andavam rolando e a Renata resolveu trocar uma idéia com o Líder.
- Ô Tatiene, vai lá pra trás, me dá licença que eu tenho que falar com o Líder.
- Ah, não! Eu quero ficar aqui, perto das gurias (Paty e Naty).
- Tatiene, SAI!
- Tá bom, tá bom...
Tatiene sai do seu precioso lugar inconformada e vai sentar lá atrás ao lado do Joe.
- Oi Joe, fui expulsa!
- Relaxa, senta aí, Taty! É massa aqui atrás. Meu, tu tem que parar de ficar pagando pau praquelas pavoas lá da frente. Nada a ver!
- Ai ai, Joe, fala com a minha mão, vai! Tatiene vira a cara com desdém e se concentra na aula.
Lá na frente, Renata puxa papo com o Líder.
- E aí meu, tu já tá sabendo?
- Humm... Provavelmente sim, mas do quê tu fala, especificamente?
- Da Camila, meu!
- Hum, sim!
Os dois olham discretamente para a Camila, sentada ao lado da classe vazia (Gegé e os demais boleiros estava suspensos essa semana, por ter derrubado o Gílldo da escada). Camila está sentada na dela prestando atenção na aula.
- Então... – Líder dá corda para a fofoca. Aliás, Líder sempre dá corda pra todo tipo de conversa. – O que tá rolando é que o Gegé foi procurar emprego essa semana, porque afinal, depois que a Cami se mudou pro quarto dele, a conta da água aumentou né... hehehehehe!
- Brinca não, meu!, censura Rê. – Sério, eles tão enfrentando mó barra. Parece que a mãe da Cami nem fala mais com ela. Básico meu, essas mães são as piores. Quando a gente mais precisa, só sabem pisar em cima.
Renata fala isso mais pela sua própria mãe. O relacionamento entre elas é péssimo. A mãe sempre trabalha e só sabe reclamar. Nunca nada do que a Renata faz está bom. Ela sempre estuda de menos, limpa a casa errado, sai demais, as notas nunca estão boas, os amigos nunca servem e as roupas dela são ridículas. Renata veste preto e jeans. Às vezes, uma blusa branca estampada. As unhas, sempre escuras ou vermelhas. Lápis preto no olho e All Star no pé, e saltinho e jaquetinha jeans pra sair. Tudo em relação a ela, para a mãe, é ruim.
O pai da Rê é um cara legal, mas trabalha muito, sempre, demais... Nunca está em casa, e quando está, é todo da mãe. Renata não pode chegar muito perto ou pedir muita atenção, porque isso significa arranjar encrenca. O irmãozinho da Renata é pequeno ainda. É o xodózinho da mamãe. E Renata gosta dele, gosta mesmo, mas às vezes sente um pouco de inveja da atenção que ele recebe.
Renata muda de assunto:
- Ô Líder, e o que tu acha desse Luis Antônio aí, meu! Êta boyzinhu sem noção, né?
- Siiiiiiiiim... Meu, e aquela pegação com a Paty e a Naty na semana passada??? O que foi aquilo, em pleno recreio?
- Não, não... E se prestam ainda! - Rê olha com desprezo para as patis ao lado.
- Pior é a Tatiene. Não consegue ser mais trouxa, né?
- Sim, com ela eu nem gasto a minha energia falando porque ela tá louca, tá fissurada nas patis e não vai acordar tão cedo.
- Pior! Ô, e tu foi bem no Enem?
- Humm, pra te falar a real, eu não conferi as minhas questões, quando sair o resultado eu vejo.
- Ei, Rê, tu não pode ficar tão alienada assim das coisas, tá parecendo a Michele guria, tu nunca foi assim... Te liga né, não vai vacilar...
Vacilar. Fazia algum tempo já que a Rê tinha começado a vacilar. Começou tomando uns tragos pra relaxar antes de chegar em casa no fim da tarde. Aprendeu a fumar, também acalmava um pouco. Sempre arranjava alguma coisa pra fazer de tarde pra não ficar em casa e sempre terminava no posto, bebendo uma cerveja com uns amigos aí, pra não chegar em casa "de cara" e surtar com os gritos da mãe.
Um dia deu uma banda com a Mary Jane, mas isso no ano passado, e experimentou um baseado. Percebeu que isso seria mais eficaz que os traguinhos diários e tornou-se adepta do breu. Continuava enchendo a cara certo, principalmente quando saía com a Michele. Tinha curtido umas balinhas com ela também. Isso toda a galera sabia. Mas o que ninguém sabia, é que a Rê tinha ido além...
- Sim, sim, não te preocupa Líder, eu tô ligada! Mas viu, e o rebu que deu há uns tempos aí? – Renata muda de assunto... – Essa Xandão se passou, né?
- Sim, coitada, não se controla! Quebrou a cara do Leco e do Cadu!
- Mas também, são uns arigós, né. Ficar xingando a guria, quando todo mundo sabe que ela tem alto trauma!
- É, é, bem feito! Já liguei pra eles e falei que nada a ver isso, mas acho que agora eles tão mais preocupados com a suspensão e com o cancelamento das inscrições do Enem.
- Siiiiiiiiim... Fiquei sabendo que o Geek ratiou nessa e foi pego nos esquemas, né?
- Bah, não sei o que vai dar nessa história, tomara que ele não se complique muito.
- São uns lesados esses boleiros, ô turminha mais vadia, né? Não fazem nada, só ficam jogando bola. Se metem em tudo que é confusão.
- O que eu não sei é como a Lúcia pode estar a fim do Leco.
- Aaaaaaaahhhhhhh tu também percebeu??? Tá na cara, né! Essa história de ficar fazendo trabalho pra ele não cola nem aqui nem na China, né!
- Me poupe!
- Sabe o que eu fiquei sabendo também, Líder? Que a Lúcia pegou a Ana vomitando no banheiro...
- Sim, já sabia também. Tô preocupado com a Ana, ela tá cada vez mais magra.
- Mas ela é outra bitolada, meu. Fica com essas revistas de moda aí o tempo todo, só pode dar nisso.
- É...
"Ainda bem que ninguém nunca me achou no banheiro", pensa Renata. Ela também precisava recorrer ao refúgio preferido de todos os alunos que escondem alguma coisa: o templo sanitário do colégio. Mas Rê não ia ao banheiro pra vomitar, chorar ou ficar com alguém. Bem, na verdade, ela ia ficar com a sua melhor amiga dos últimos tempos...
Pééééééééééééééémmmmmmmm!!! O sinal bate e a manada debanda.
-Tchau Líder, valeu pelo papo aí, tava meio por fora, precisando me inteirar.
- Relaxa Rê, quando precisar... Mas só me faz um favor?
- Ahn?
- TE LIGA, MEU! Tu é muito legal pra vacilar, hein... – Líder lança um olhar cúmplice pra Rê, como quem sabe de alguma coisa que só ela sabe.
- Hum, tá... – Rê se faz de desentendida.
"Do que ele tá falando? Será que ele sabe? Ele sempre sabe de tudo... Mas é impossível o Líder saber... Eu nunca falei pra ninguém." Rê desce as escadas no meio da multidão de adolescentes enlouquecidos (como só eles podem estar na saída da aula de sexta). Michele passa por ela:
-Tem festa hoje, hein Rê, não vai esquecer!
- Podexá, te ligo!
A Michele é uma parceira legal pra sair. Também é viciadinha em balinha, mas o lance dela é mais zueira, mais pra curtir a música, dançar legal. "Eu sou outra história... Putz grilla, como fui me meter nisso?" Rê lembrou da primeira vez que experimentou a cocaína. Foi numa dessas festas que foi com a Michele. Normalmente isso não é o tipo de coisa que tu pode achar numa rave, mas um cara chegou nela e depois de muita trova, acabaram ficando. E ele tinha.
Ela aceitou, experimentou, gostou. Foi mais forte que os tragos, maconha ou balinha. Ela ficou bem fora, bem ligada, parecia até que pensava melhor... Curtiu mesmo. No outro fim de semana, usou de novo. E no outro, e no outro. Agora já fazia seis meses desde a primeira vez e ela estava usando três vezes por semana. Uma coisa pelo menos era boa na sua família: a mesada era grande e dava pra três doses. Mas era isso e mais nada. Então fazia seis meses que ela não comprava mais roupas, que ela não fazia mais nada... Só queria saber das carreiras...
Rê sabe que precisa parar. Precisa, mas não quer. E está com medo de, daqui a pouco, já não conseguir mais. Sai do portão do colégio pra encarar mais um fim de semana e já vai acendendo um cigarro.
E o fim de semana não foi diferente de qualquer outro. A mãe berrando em casa, ela voltando só pra tomar banho e comer alguma coisa. Nesse findi usou mais.
Ganhou do carinha que ainda ficava de vez em quando. Aquele com o qual tinha experimentado a primeira vez. "E foi boooooooooooooooom... Isso que é o pior, isso é melhor que a realidade", pensa, na segunda de manhã no caminho pra escola. A realidade pra qual a Rê já não tem mais vontade de voltar.

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