sexta-feira, 7 de setembro de 2007

PRÓLOGO: O susto

POSITIVO. Camila sente o chão sumir debaixo de seus pés. POSITIVO. Os olhares se cruzam apavorados e uma lágrima nervosa escorre do rosto contraído de Camila. Géverson também está atônito, não consegue falar, e mesmo que conseguisse, não encontra palavras neste momento. A única coisa que passa pelas cabeças dos dois é um “e agora?”, sem perspectiva de resposta.
- Cami, calma, nós vamos dar um jeito nisso. - diz Géverson.
- Tu não entende, Gegé? Estou repetindo a história da minha mãe... Grávida aos 17 anos? Ela nunca vai aceitar, nunca vai me perdoar!
Nesse momento, as lágrimas já correm livres pela face de Camila. Géverson tenta consolar a namorada sem sucesso. Também está assustado. Tenta se concentrar e buscar uma saída lógica, que seja suficientemente boa para o casal. Nenhum dos dois chega a cogitar a hipótese de abortar, mas também não sabem como irão se virar a partir deste momento.
Ficam juntos durante toda a tarde, sentados na grama de um parque, em silêncio. Só as mãos de Géverson acariciavam os cabelos de Camila. Os olhares perdem-se em algum ponto inexistente da paisagem. Suspiros e choro abafado, sentido. Foram para suas casas ao anoitecer, mas nenhum dos dois conseguiu dormir. Na manhã seguinte tem aula, prometem buscar uma saída e combinar tudo na hora do recreio.
A aula passa arrastada, não podem conversar sobre esse assunto tão sério perto dos colegas. Aguardam ansiosos o sinal para o recreio. As mãos frias e suadas se apertam forte por baixo das classes. Procuram um canto mais sossegado no pátio para poder conversar.
- E então Gegé? Eu não consegui pensar em nada, estou com muito medo da minha mãe descobrir. Ela já está até desconfiada, já estou atrasada há quase três meses... - diz Camila.
- Olha Cami, não sei o que tu vai achar dessa minha proposta. Mas a única coisa que eu consegui pensar é em tu vir morar comigo. Já namoramos há mais de um ano e eu te amo. Vou arranjar um emprego, podemos batalhar juntos e criar nosso filho. Lá em casa tem lugar para nós três. Vai ser difícil no começo, mas a gente supera. – propõe Géverson, passando a mão na pequena barriga que começa a crescer.
Camila, com os olhos cheios de lágrimas, só consegue pronunciar um emocionado “sim”. Até ouvir aquelas palavras, ela não tinha noção do tamanho do sentimento daquele garoto. Começou a planejar um jeito de sair de casa fugida da mãe, numa hora em que ela não estivesse por perto. Não queria dar explicações, não queria contar aquele segredo, pelo menos não agora. No final da aula, planejaram a fuga. Géverson já tinha avisado a mãe, e passaria na casa da namorada logo após o almoço, para ajudá-la com a mudança.

Uma mochila, uma mala modesta, algumas fotos, livros, cadernos e pequenas coisas que, na maioria das vezes, guardavam grandes lembranças. Como não quer despertar curiosidade na mãe, Camila não pode sair de casa com muitas coisas. Somente o básico, ou algo mais que lhe ajude a suportar este momento difícil. Contar? Ela acha melhor deixar para depois. Para sua sorte, a mãe não está em casa na hora em que Géverson chega, de carona com um amigo. Discretamente, ele a chama.
- Vamos, Cami!
- Preciso de ajuda para levar esta mala maior. Ela é muito pesada. – responde a menina.
Prontamente, Géverson atende o pedido. Apesar da tensão do momento, os dois parecem um pouco mais calmos. Lentamente, a confiança vai tomando conta dos dois. Mesmo que o plano de morar juntos tenha sido elaborado às pressas, tinham certeza de que seria o melhor a fazer no momento. Depois, com calma, planejariam o resto.
Carregam o carro com as coisas de Camila e partem em direção à casa de Géverson. Um quarto, no fundo da casa, espera pelos dois. É um quarto modesto, cheio de CDs, pôsters, camisas de times de futebol, bem ao estilo de Gegé. Camila esteve lá poucas vezes, e se espantou com o local.
- A primeira coisa que temos a fazer é colocar ordem nesse quarto. - disse, em tom de brincadeira.
- Desculpe Cami, prometo que vou deixar mais arrumado. Afinal, agora ele terá que abrigar nós três. - respondeu o futuro pai.
Vindo da sala, um grito surpreende os dois:
- Géverson!!!
Era a mãe do rapaz. Ambos reconheceram a voz na hora. Por um momento, haviam esquecido as dificuldades que teriam pela frente. Ele já contou tudo para a mãe, que agora queria ter uma conversa com os dois. Não só ela sabia, mas também o pai dele, que também pretendia, mais tarde, conversar com o filho e a nora.
- Olha, meu filho, tu e a Camila ainda são muito novos, e sabem que a partir de agora enfrentarão muitas dificuldades. De nada vai adiantar eu reclamar, dar sermão ou coisa parecida. Aconteceu e nós não temos como voltar atrás. A primeira coisa que tu vai ter que fazer, meu filho, é procurar um emprego, o quanto antes.
- Eu sei, mãe. Hoje mesmo vou procurar trabalho. - disse Géverson, cabisbaixo.
- Mais do que isso, tu já deve pensar no vestibular. Hoje em dia, é muito importante cursar uma faculdade para conquistar um bom lugar no mercado de trabalho. - respondeu a mãe, e continuou:
- Camila, o que a sua mãe acha de tudo isso? Tu já contou a ela, não contou?
O mundo parecia estar centrado em Camila naquele momento. Pálida, ela não sabia o que responder. Antes que conseguisse esboçar qualquer palavra, o telefone toca. A mãe de Géverson corre para atender.
- É da escola. - diz, em tom de preocupação.

A escola! Naquela hora passou um flashback na cabeça de Camila. Por enquanto, ninguém da escola sabia, ao menos ela não havia contado para ninguém. Será que alguém percebeu? Será que já dava para perceber? Será que os pais do Gegé foram até a escola tirar alguma satisfação? Os pensamentos rodopiavam feito um tornado, Camila não conseguia raciocinar, eram muitas dúvidas, medos e receios. Como seria daqui pra frente e o que os outros iam pensar ou dizer, começa a preocupá-la.
Camila se recordou de uma manhã em que, num trabalho em grupo com os colegas da escola, acabaram entrando no papo de gravidez. João Guilherme, apelidado por todos de Joe, por conta da sua idolatria pelos Ramones, contou que passou um sufoco com a ex-namorada. Depois que terminaram o namoro de dois meses, ela o procurou porque tava atrasada a bendita menstruação. Como não se cuidavam, usavam camisinha “uma vez ou quase nunca”, os dois ficaram bem apreensivos. Chegaram a comprar um teste de farmácia, que deu negativo, mas só desencanaram quando a menina menstruou na semana seguinte.
“Eles tiveram sorte” – pensa Camila. “E eu, o que vai ser de mim daqui pra frente?” pensa já desesperada. Nesses momentos a cabeça entra em pane, parece que surgem ainda mais paranóias e que “ruim” é pouco, com certeza vai piorar... Camila lembrou de outro papo que ouviu na sala, que na hora não ligou muito, mas que agora talvez fizesse algum sentido. A Luana e a Andréia, que sentam juntas e vivem cochichando baixinho, são meio fede nem cheira, porque afinal trabalham depois da aula e tão loucas pra acabar o ano pra serem efetivadas em turno integral, saíram mais cedo outro dia pra ver uma amiga no hospital. Deixaram escapar que essa amiga descobriu que tava grávida e abortou. Ao lembrar da voz das gurias falando em abortar, que a amiga delas tava mal, Camila tremeu por inteiro. Arrepiou todinha e voltou os pensamentos pro telefone que nem viu Gegé pegar na mão. Ficou perdida na conversa porque ele só respondia, não falava ou explicava algo.
- Sim, tá aqui. - falou Géverson.
- Tá bem, falo pra ela. Peraí, deixa eu pegar uma caneta que vou anotar o telefone.
- O que é? - perguntou Camila pegando na mão de Gegé.
- Pss... - fez Géverson baixinho, fazendo sinal de silêncio com o dedo.
Géverson desliga o telefone e olha pra todos em volta. Como ninguém fala nada, ele diz:
- Seguinte: não sei bem como, mas a Tia Zilú, lá da escola, tá sabendo que tem alguma coisa com a gente. Acho que ela não sabe bem do que se trata, mas desconfia. Disse que ligaram da tua casa, perguntando se tu foi pra aula. Aí ela ficou preocupada que tivesse acontecido algum acidente na rua e ligou aqui em casa pra saber. Ela passou um telefone pra tu ligar e dar notícias.
- E agora, o que eu faço? - choraminga Camila.
Calma. Agora vamos sentar e conversar. - diz a mãe de Gegé.

Um comentário:

Anônimo disse...

ta prometendoo essa história.. fortes emoções!