quarta-feira, 3 de outubro de 2007

EPISÓDIO 16: A hora de se orientar...

Líder tanto fez e aconteceu que conseguiu afinal convencer a diretoria do Liceu a realizar a palestra, que ficou marcada para a quarta-feira da semana seguinte. A palestra vai acontecer no ginásio, com todos os terceiros da escola. E nela vão palestrar uma psicóloga e vários profissionais convidados de diversas áreas. Um médico, um engenheiro, uma nutricionista, um jornalista e um microempresário.
No dia, todas as turmas se reúnem no ginásio, no último período de aula. Aproximadamente 100 alunos das 5 turmas de terceiro ano do Liceu se amontoam no ginásio. Alguns estão a fim, ansiosos, e outros tão-nem-aí.
Os boleiros já tinham saído na hora do recreio, com assinatura falsa na agenda. Líder não pode acreditar: "como eles sempre conseguem escapar? Como é que a tia Zilú cai na velha desculpa de treino-especial-porque-tem-jogo-no-fim-de-semana? Tá louco!"
Lúcia se tranca na biblioteca. Afinal, não precisa de palestra nenhuma e já sabe o que vai fazer. Medicina. Além do mais, vai ter prova de Português esta semana e por nada desse mundo que ela vai desperdiçar um período inteirinho de estudo.
A Ana está no banheiro... Chorando... "Droga, droga, droga". Comeu um chocolate no recreio e não consegue superar. Depois de ter ficado a semana passada inteira à base de água e maçã, ela não conseguiu resistir. Não precisava ir à palestra, também já sabe o que vai fazer: Nutrição. Na verdade a Ana, se pá, nem precisava fazer faculdade. "Vou fazer só pelo diploma mesmo". Já sabe tudo de calorias, de valores nutricionais, de combinações dietéticas e seu sonho é, um dia, depois de ser modelo, abrir um spa, para ajudar pessoas gordas como ela a emagrecer. "Mas se eu continuar comendo que nem uma porca no recreio, vai tudo por água abaixo, e vou continuar sendo ninguém. Nojenta!". Ana não vê outra solução, enfia o dedo na goela e vomita o chocolate...
Enquanto isso, Renata tá sentada num canto do pátio, fumando um cigarro. Teve uma briga terrível com a mãe na noite passada e não tá a fim de fazer nada. Observa enquanto Fernando se aproxima.
- E aí! - Fala ele, sem tom, sem vontade, e mais por obrigação.
- E daí, meu! - Responde ela, com menos vontade ainda...
- Posso ficar por aí? Essa palestra pé-no-saco eu não tô a fim de ouvir...
- Ah meu, na boa, tô a fim de ficar sozinha...
- Ah tá... Que bom que o pátio é teu, né...
Fernando olha com desdém para ela e senta meio do lado, meio de canto, virado na diagonal, como se estivesse ali, mas não estivesse por causa dela... E Renata pensa "ai, que trouxa inconveniente... saco...!" Mas tem pouca voia de sair do lugar. Ficam os dois por ali mesmo, na inércia, no meio da nuvem de fumaça. Torcendo pra que nem a Zilú nem o Gílldo venham encher a paciência e mandá-los entrar.

Matthew é o intercambista do Liceu. Ele é americano, da Califórnia, e está morando na cidade porque o pai foi transferido para supervisionar a instauração de uma filial no Brasil. Ele acha um saco ter que ficar aqui, nesse país de terceiro mundo, estudando numa escola fraca pra caramba, pelo menos comparada às escolas dos States. Claro que ele curte as amizades, principalmente as femininas – “Brazilian girls are gourgeous!" – e acha os boleiros super divertidos – “soccer players are cool!". Mas acha o português muito difícil de entender. A única coisa que ele aprendeu direitinho são os palavrões, mas, às vezes se confunde... Ao invés de um "tudo-bom", fala "vai-tomar-no..." e assim vai.
Tem um cara que ele acha um bore (muito, muito chato) que é o Pedrão. Para Matthew, o Pedrão parece um americano, porque come junk-food como um americano e pesa tanto quanto um americano, só que a semelhança termina por aí. Pedrão não sabe nada de inglês e vive forçando pra cima do Matthew. O intercambista era gordito assim como Pedrão, mas já está emagrecendo um pouco no Brasil, curtindo todas as frutas e até arriscando um futibas de vez em quando. Mas Matthew sente falta dos amigos, de comer fast-food toda hora, e principalmente de entender o que as pessoas falam... Ele não pensa em fazer vestibular. Já está tudo pronto pra voltar pros EUA pra fazer faculdade lá, então esse ano pra ele é só curtição. Só a nova não-tão-boa-interessante experiência. Ainda não conseguiu um "date", ou como os brasileiros falam "ficar", com ninguém, mas curte a Michele ("She’s soooo pretty!"). E vive tentando estabelecer contato, só que, infelizmente, quem sempre está por perto é o Pedrão que, por sinal, está sentado do seu lado.
- Hi, Matt!
- Hey Predroun!
- Rau ári iú? (Pedrão tenta dizer: How are you?)
- What?? Matthew não entende, pra variar...
- Du iu uant sumi? (Do you want some? - Pedrão tenta oferecer o sandubas que tá comendo)
Matthew olha praquele imenso guri lhe esticando o sanduíche de calabresa com a mão engordurada e fica nauseado.
- No, thanks!, agradece educadamente.
- Relaxa, cara, eu trouxe jujuba pra durar toda a palestra!
- What??? (Matthew não entende nada, mas percebe que tem algo a ver com as balas, porque Pedrão mostra o pacotão que tem debaixo do outro braço...)
Matthew dá graças a Deus, quando o diretor do Liceu pede atenção.
A palestra vai começar.

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